213 milhões de brasileiros e 8 tiranos

2 weeks ago 11

Você, caro leitor, é um pequeno tirano. Não só você. Seu pai, que posta fotos dos netos no Facebook, sua irmã fazendo yoga no Instagram e, claro, seu tio, que conta piada do pavê no X. Eu também sou. Todos tiranos. Quem diz é a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal.

Eis um trecho do seu voto durante o julgamento que tornou parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet: "A censura é proibida constitucionalmente, mas não se pode permitir que nós estejamos numa ágora em que haja 213 milhões de pequenos tiranos soberanos. Soberano é o Brasil, soberano é o direito brasileiro."

Que fala infeliz. Vinda de um membro da mais alta corte do país, é deplorável. Sem considerar a ofensa a todos os cidadãos, a fala reverbera aspectos do idealismo filosófico que fundamentam as formas modernas de tirania.

Tal perspectiva tende a valorizar entidades abstratas coletivas em detrimento do indivíduo. O ser humano passa a ser visto como instrumento da realização de um ideal universal e, por óbvio, fica sujeito a coerções violentas.

Para Mussolini, nada era superior ao Estado. Já para Hitler, soberana era a raça ariana. Os revolucionários jacobinos, inspirados por Rousseau, submetiam tudo à "vontade geral" que mandou milhares para a guilhotina. "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" foi o slogan da campanha de Jair Bolsonaro.

FolhaJus

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No voto de Cármen Lúcia, lá estão o Brasil e o direito superiores à população. Tal onipotência não é novidade. O ministro Dias Toffoli já disse que o STF atua como poder moderador. Segundo o atual presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, a missão do Supremo é recivilizar o país.

Não à toa, a corte extrapolou seu papel, o de avaliar a constitucionalidade do artigo 19, e invadiu a seara do Congresso ao estipular uma lista de regras —ainda por cima vagas e abertas à subjetividade (como a remoção imediata pelas plataformas de conteúdos "antidemocráticos" propagados de forma massiva).
Três ministros votaram contra. No fim das contas, saem 213 milhões e sobram oito tiranos.

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