Ilana Kaplan tem uma personagem hilária que critica a falta de noção e a ostentação. Keila Mellman é uma "especialista em etiqueta" que dá dicas do que deve ou não ser mostrado nas redes. Segundo ela, sempre vale a reflexão. Posso postar uma foto de família feliz com a pequerrucha e sua bolsa de R$ 15 mil? Keila diria: "Quer postar? Posta. É de bom tom? Não".
Mas infinitamente pior do que o despudor e o exibicionismo da família do empresário Roberto Justus foi a reação violenta de gente como o professor Marcos Dantas Loureiro, que sugeriu que "guilhotina resolve".
Ele se desculpou e disse que recorreu a uma metáfora para alertar sobre a "insensibilidade social". Mas a analogia, quando tão mórbida, ganha vida própria e, se alguém não puxar o freio, vira no mínimo combustível para o chamado do governo do "nós contra eles".
A sanha inquisitorial que pede penas antes de debates robustos cria um caldo de militarização retórica. A justiça não pode ser refém de exibições de força discursiva. A guilhotina é o fetiche da turba que prefere encenar tragédia medieval a encarar que desigualdade existe em largas doses, mas se resolve com políticas públicas e conscientização social, não com lâminas.
E, já que falamos em exposição, há outro território de selvageria que passou despercebido no episódio: filhos viraram atração de circo. Ao postarmos o singelo retrato da "festa de 5 anos" ou a intimidade do banho, abrimos a porta não só para aplausos, mas para predadores. Pais e mães publicam cada beijo, cada careta, como se distribuíssem passes VIP à multidão invisível. Alguém já pensou que, amanhã, essa criança vai pesquisar seu passado e vai se deparar com a vida exposta em pixels, sem autorização?
Em vez de propor leis casuísticas que engessam criação e expressão, precisamos urgentemente discutir códigos de conduta e assumir responsabilidades. Ou aceitamos que a metáfora da guilhotina já seja uma realidade, dado que os adultos já perderam a cabeça e a inocência infantil tem sido devorada com o consentimento dos pais.