"Pai, comecei a escrever minha crônica sobre as primas Cinderellas e coloquei logo uma ação. É assim que a gente consegue prender mais a atenção do leitor, né? Eu tô de olho nos seus textos. Tem que ter uma isca, né, pai?", me disse biscoita, que estudou o gênero no último bimestre na escola.
Lá para casa foram, então, A Velha Contrabandista e o Stanislaw Ponte Preta, A Metamorfose, com o Luis Fernando Veríssimo, O Médico e o Monstro, ao lado do Paulo Mendes Campos. Uma festa de risadas, com boas sacadas, surpresas, linguagem gostosa e pensamentos.
A partir da visita deles, chamamos também para o baile literário a Martha Medeiros, a Lygia Fagundes Telles e a Becky Korich, que mora aqui do lado.
A crônica tem história, tem estofo, está guardada em bons livros. A crônica está viva. Não existe vestibular, concurso público, prova das porretas que não desfilem um desses textos que recortam, pintam e bordam o cotidiano para testar a "sabidez" do povo.
E tem de tudo nesses escrevinhados: semântica, confusão, ortografia, verborragia, concordância, discordância, verbo, desabafo, sujeito e cabra safado.
Mas passei mal com uma declaração do Mario Prata, um dos meus ídolos das palavras, dizendo que a coisa tá crônica para os escritores que já vislumbram o Cabo da Boa Esperança.
"As pessoas falam assim: ‘Os velhos são sábios’. Eu falo: Pra quê? Ninguém quer me ouvir, ninguém quer me chamar para escrever crônicas em jornal em revista como eu sempre fiz. O Ministério da Cultura poderia fazer uma série de excursões pelo país reunindo escritores velhos, escultores, músicos, compositores. A velharada toda poderia contar não só a obra deles, mas o que eles viveram."
E, pra completar, o Pratinha, discípulo máximo do Pratão, no último final de semana, falou sobre desassossego, ressentimento. Logo ele que faz a gente gargalhar comendo pão com manteiga, que reverte as desgraceiras do mundo em piada boa.
Por falar nisso, a ironia, grande parceira dos cronistas, tem ficado ressabiada em vir dançar nas letras. É incompreendida, desconfigurada, achincalhada. Um pesadelo sem graça.
As boas emoções, as humanidades, as surpresas de estar vivo, também inspiradoras da labuta dos que contam sobre o dia a dia, estão sendo industrialmente plastificadas pela Inteligência Artificial que, fatalmente, vai dessensibilizando o povo nos insanos correr de dedos pelas telas.
A gente abre a janela tem mísseis voando por vários cantos do mundo, tem criança morrendo, tem gente faminta, tem bilionários ávidos por mais bilhões a qualquer desumano custo.
Esse balaio todo vai esgotando a gente, vai tirando a energia, vai bloqueando as inspirações. Só textos com indignações, lacrações e afrontamentos hão de cansar, desinteressar ou até matar o mensageiro.
Talvez certo esteja o filósofo Mario Sergio Cortella, que tira do bolso uma frase vinda de religiões do oriente para horas de aperto: "Eu não luto a tua luta, eu danço".
Que o bom baile, então, tire os cronistas dos aparelhos para sorverem ares de dias melhores.