Faz mais de vinte anos que tive duas longas conversas com o paleoantropólogo Walter Neves, com o objetivo de escrever um perfil pessoal e científico dele para o extinto caderno Sinapse, desta Folha. Neves já era então um dos principais especialistas a investigar a chegada dos seres humanos ao território do nosso país, por seus estudos com a população de "Luzia", mulher que morreu há 12 mil anos no território de Minas Gerais.
Em 2003, ainda era bastante incomum que uma figura pública, e ainda mais um cientista de renome, abordasse com franqueza uma sexualidade que fugisse do padrão heterossexual. Por isso, fiquei surpreso e grato quando ele quis falar do primeiro e grande amor de sua vida, que perdera para a Aids, o especialista em marketing Wagner Fernandes.
O assunto surgiu enquanto ele me contava sobre sua ida para o Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém, onde ia criar um núcleo de estudos de biologia e ecologia humana. "Eu queria levar o Wagner comigo para Belém e fui falar com o reitor da Universidade Federal do Pará para saber se eles não poderiam absorver meu companheiro como professor de vídeo. O reitor disse que seria possível, mas perguntou se eu era petista. Eu não entendi nada: 'É, petista. Por que você o chama de companheiro?'. Aí eu tive de explicar: 'Não, professor, ele é meu marido. O senhor não tem sua mulher? Eu tenho meu marido'. Ele ficou lívido, claro, mas aí deu tudo certo", disse-me Neves naquela entrevista.
Os dois ficaram juntos durante quase sete anos, até a morte de Fernandes em 1992. Agora, o paleoantropólogo está lançando o livro "Enquanto Houver Arco-Íris", com o subtítulo "A saga de dois homens apaixonados enfrentando a Aids na Amazônia nos anos 1980".
A obra, que está em pré-venda aqui, será lançada nesta terça, dia 17 de junho, às 17h, no Centro de Referência e Empreendedorismo do Museu da Diversidade Sexual (av. São Luís, 120, República, na capital paulista).
Foi uma honra contar um pedacinho dessa história, que agora fica completa.