Num "Campeonato Nacional de Sentimentos" em que a "glória" ocupasse o pódio, o "ressentimento" apareceria em último lugar, bem depois da raiva, da melancolia, do nojo, do tédio e da inveja. "A inveja é uma merda", diziam os adesivos nos carros, quando havia adesivos nos carros —hoje as redes sociais transformaram nós mesmos nos adesivos. Mas quem colava aquilo tinha o único objetivo de produzir, ora, bolas, inveja. "Uau, quem será essa pessoa tão bem resolvida e autossuficiente no carro à minha frente?".
A inveja é a irmã proativa do ressentimento. Se subir um pouquinho na vida já vira cobiça, que pode ser pecado na Bíblia, mas é uma das pedras angulares do capitalismo. Já o ressentimento não nos leva a produzir nada. Sobre ele só cresce o bolor. Quando o Instagram se torna a medida de todas as coisas e cada um vira relações públicas de si mesmo, enviando diuturnamente press releases visuais do próprio sucesso, o ressentimento, este filho coxo da infelicidade com a injustiça, vai direto pra lanterninha.
O ressentido é o grande "loser", aquele que não teve seus cinco minutos de fama —ou 5 milhões de seguidores—, o que não apareceu. Aparecer é preciso, viver não é preciso. Para aparecer, vale tudo. Até pegar um fuzil AR-15, entrar numa escola e matar criancinhas. Ou fazer piadas sobre quem pega um fuzil AR-15, entra numa escola e mata criancinhas. Neste mundo de pernas pro ar, o "cresça e apareça" virou "apareça e cresça".
Uma das principais "influenciadoras" brasileiras saltou para o estrelato porque o marido caiu de um prédio. Ele a estava traindo com uma prostituta e com medo de ser flagrado tentou passar de um apartamento a outro —pela varanda. Tempos depois, ela foi presa por umas gambiarras financeiras envolvendo bets, e, por este feito, ganhou mais 3 milhões de seguidores. (Hoje tem uns 20 milhões só no Instagram).
Nossos valores estão tão invertidos que começo a pensar que, se você não está ressentido, deve ter feito alguma coisa errada. Num país justo, vamos dizer, sei lá, na Suécia, onde tem educação boa e gratuita, saúde boa e gratuita, todos os apoios do governo e da sociedade, ser um infeliz falando mal dos outros pode ser falha de caráter. No Brasil, é só uma consequência natural da honestidade. Se você estudou, fez mestrado, doutorado, é dos maiores especialistas em, sei lá, Aristóteles ou astrofísica ou libélulas, certamente ganha uma miséria e publica livros que ninguém lê. No Brasil, mais grave do que o analfabeto funcional (a massa) é o analfabeto disfuncional (a elite).
Como não se frustrar? Como não viver decepcionada uma enfermeira que trabalha de sol a sol numa UTI, ajudando a salvar a vida e a aliviar a dor de milhares de pessoas e vai se aposentar com uma pensão de fome, enquanto um moleque de 13 anos que faz vídeos no TikTok exibindo sua habilidade de jogar garrafas pet pro alto fazendo-as girar e cair de pé tem 11 milhões de seguidores e faz propagandas que lhe pagarão em um ano o suficiente para viver a vida inteira?
Meio deprê essa crônica, né? Peço desculpas. Prometo no próximo domingo vir com um tema mais interessante. É que às vezes, mesmo lutando contra, a gente se deixa abater. O ressentimento é uma merda.