Belo Horizonte (MG) está escandalosamente atrasada em suas obrigações com a mobilidade por bicicleta.
Segundo o PlanMob-BH de 2015 e o Plano Diretor de 2019, a capital mineira deveria ter 750 km de estruturas cicloviárias em 2025. Tem apenas 110 e ainda vê a obra de uma ciclovia de 4,2 km ser suspensa por decisão do TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) desde junho de 2024.
A obra cicloviária faz parte do projeto de requalificação da avenida Afonso Pena, elaborado em 2015. O projeto passou por estudos técnicos da prefeitura em 2019, foi analisado em 2022 pela Câmara Municipal e homologado em outubro de 2023 pela prefeitura.
O custo total foi fixado em R$ 24,8 milhões, em recursos do município, para a construção de corredores de ônibus, ciclovias e tratamento de calçadas nos 4,2 km que separam a praça da Bandeira e a praça Rio Branco, região Centro-Sul de Belo Horizonte. Segundo o cronograma inicial, a obra deveria ter sido entregue no segundo semestre de 2024.
Apesar de amplamente debatido em audiências públicas entre 2022 e 2023, e de ter sido apresentado ao Comurb (Conselho Municipal de Mobilidade Urbana) em setembro de 2023, a legalidade do projeto da ciclovia foi questionada pelo MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) em abril de 2024.
A promotoria alegou falta de licenciamento urbanístico para supressão arbórea e impacto significativo no trânsito causado pelo redesenho da via. O argumento foi refutado em primeira instância, mas aceito posteriormente pelo desembargador Armando Freire.
Contudo, segundo consta no projeto, o traçado da ciclovia não prevê a retirada de árvores e altera apenas 1,6 % do espaço antes destinado aos automóveis ao longo de toda a avenida.
"A ciclovia está sendo responsabilizada por algo que não é de seu escopo. O traçado da ciclovia é quase todo feito sobre o canteiro central. Apenas nos 550 metros iniciais ela obriga o redesenho do espaço antes utilizado só por carros, sem prejuízo para o trânsito. Além disso, não há supressão de nenhuma árvore", diz o auditor Cristiano Scarpelli, líder do movimento popular que pede a retomada das obras.
"As árvores seriam cortadas para a construção de ilhas de travessia para carros, e isso foi retirado do projeto ainda em 2023. A ciclovia não tinha nada a ver com esses problemas. Se havia alguma dúvida quanto a isso, deveriam ter parado toda a obra de requalificação, não apenas a obra da ciclovia. No mesmo período, realizaram a Stock Car na Pampulha com corte de 70 árvores, redimensionamento de calçadas e canteiro central. Foram intervenções muito mais relevantes que na Afonso Pena. Nesse caso o Ministério Público considerou que não era necessário o licenciamento urbanístico", diz Scarpelli.
Em uma tentativa de contrapor a promotoria, Scarpelli entrou como parte em defesa da ciclovia. Entre os documentos entregues à Justiça, estão um estudo encomendado pela própria prefeitura em 2019, pelo qual se conclui que o redesenho da avenida não traz impactos ao fluxo de veículos. A defesa também anexou uma análise comparativa com outra ciclovia de BH, que teve índices de segurança viária aumentados com o fluxo de ciclistas, e uma análise de 464 horas de vídeo ininterrupto, captado sobre o pequeno trecho onde a ciclovia da Afonso Pena já foi implantada.
"No vídeo fica claro que não há prejuízo ao trânsito, ele flui 24h por dia, a semana toda. Também pude identificar que o fluxo de ciclistas quase triplicou com a implantação desse trecho de ciclovia. Estimo que pelo menos mil viagens de bicicleta seriam beneficiadas com a conclusão da obra", diz Scarpelli.
Questionada sobre a demora em realizar o licenciamento urbanístico, a Prefeitura de Belo Horizonte não respondeu mesmo com a extensão do prazo para publicação da matéria.
O MPMG destacou que o intuito da ação civil pública não foi impedir a implantação da ciclovia, "tratou-se, em realidade, de evidenciar a importância da realização de estudos mais detalhados e de planejamento prévio para a devida execução das obras".