Para as primeiras imagens do Observatório Vera C. Rubin, apresentadas nesta segunda-feira (23) com toda pompa a partir de evento realizado na sede da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, em Washington, era de se esperar visões lindas do Cosmos. Mas o que o público viu foi, além delas, já as primeiras descobertas do projeto: nada menos que 2.104 novos asteroides, sete deles classificados como NEOs (objetos próximos à Terra), mas nenhum oferecendo ameaça ao nosso planeta.
Esse foi o resultado de meros sete dias de dados colhidos com o telescópio de varredura mais poderoso já construído –no começo da fase de comissionamento do equipamento. O Rubin fará uma passagem completa pelo céu do hemisfério sul, com riqueza de detalhes, a cada três ou quatro dias, construindo ao longo de dez anos o mais vasto catálogo astronômico já produzido e retratando o céu em movimento, com eventos transientes (como supernovas, estrelas variáveis e ocultações) e objetos que se deslocam com rapidez pelo firmamento (aqueles que estão em nosso Sistema Solar).
O programa científico deve começar ainda neste ano e, quando estiver concluído, a LSST (Varredura de Legado do Espaço e do Tempo, na sigla em inglês) terá catalogado mais de 40 bilhões de objetos, revisitados cerca de 800 vezes pelo telescópio de 8,4 metros instalado no Cerro Pachón, no Chile, que conta com a câmera digital de maior resolução já construída, com 3.200 megapixels. Cada imagem dela equivale a 400 televisores Ultra HD colocados lado a lado, cobrindo uma área equivalente a 45 Luas cheias.
É um salto colossal na quantidade de dados astronômicos produzidos. O diretor do Observatório Vera C. Rubin, Željko Ivezić, destacou que o projeto do LSST, se conduzido com outros telescópios de porte similar disponíveis, levaria mil anos para ser concluído, em vez dos dez previstos –tudo por conta da capacidade sem precedentes de registrar grandes campos de visão de uma vez só e de apontar o telescópio com rapidez.
A iniciativa internacional tem liderança americana e participação de vários países, entre os quais o Brasil —o LineA (Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia) representa o país no projeto.
A apresentação se concentrou em três imagens, a fim de destacar as principais qualidades desse projeto internacional com liderança americana que já está sendo gestado há mais de duas décadas e representa um investimento total de mais de US$ 800 milhões.
A primeira, do Aglomerado de Virgem, localizado a cerca de 55 milhões de anos-luz da Terra, trazia um sem número de galáxias, num panorama dominado por duas belas espirais. Então Ivezić revelou que a imagem mostrada representava apenas uma pequena fração, 2%, do campo de visão total do Rubin.
Um vídeo então propiciou um passeio pela imagem completa, que trazia nada menos que estimadas 10 milhões de galáxias.
"A maioria desses objetos não foi estudada antes", destacou o diretor do observatório. "A equipe inteira do Rubin está tão empolgada com esses dados. Estivemos falando sobre isso por duas décadas. Finalmente eles estão aqui. Uma variedade estonteante de objetos celestes, galáxias, que permitiram estudos sem precedentes sobre a evolução do Universo, a energia escura e a matéria escura, resultados cosmológicos sem precedentes."
A segunda era, na verdade, a primeira, mas com dados adicionais que revelavam os asteroides "fotobombando" as galáxias de fundo, zunindo em rápido movimento, dada a maior proximidade, em comparação aos objetos de fundo. Lá se foram os 2.104 novos asteroides descobertos, reportados na manhã desta segunda ao Minor Planet Center (Centro de Planetas Menores, órgão da União Astronômica Internacional responsável pela catalogação desses objetos). "Vamos descobrir 5 milhões nos próximos anos, cinco vezes mais do que todos os astrônomos em 200 anos, quando foi descoberto o primeiro asteroide", diz Ivezić.
De acordo com o diretor, o observatório também está na trilha para finalmente testar uma das mais arrojadas hipóteses lançadas pelos astrônomos na última década: a de que existiria um nono planeta no Sistema Solar, maior que a Terra, muito além da órbita de Netuno.
"Se o Planeta Nove existe, o Rubin está na melhor posição para descobri-lo", comentou Ivezić. "Vamos ver muito além de Plutão. Com nossa sensibilidade, poderíamos ver Plutão mesmo que ele estivesse dez vezes mais distante do que está."
A terceira imagem, mais uma vez, foi a primeira, mas por um novo ângulo. Foram destacadas 46 estrelas variáveis do tipo RR Lyrae –que mudam de brilho de forma compassada e só podem ser facilmente identificadas com a capacidade única do Rubin de fotografar a mesma região várias vezes e, com isso, fazer um filme das mudanças que acontecem no céu.
Ao longo dos próximos dez anos, o Rubin deve descobrir cerca de 100 mil desses peculiares objetos, para não falar em supernovas –explosões estelares que são essenciais para a medição precisa da expansão do Universo e do papel da misteriosa energia escura nesse processo. "Descobriremos uns poucos milhões de supernovas", diz Ivezić.
Para terminar, o diretor do Rubin trouxe uma quarta imagem, focada naquilo que o público mais esperava –objetos bonitos em retratos espetaculares. E difícil, nesse quesito, bater as nebulosas. Ivezić apresentou uma foto das nebulosas Trífida e da Lagoa, situadas a cerca de 5.000 anos-luz da Terra, na constelação de Sagitário.
Mais uma vez, um vídeo permitiu "visitar" a imagem desde o campo mais amplo até o zoom mais próximo, revelando incontáveis estrelas em meio a esses berçários estelares. "Dobra um, acionar", brincou Ivezić ao chamar o close na imagem, referenciando a série de ficção científica "Jornada nas Estrelas" (terminando sua apresentação com um gesto de "vida longa e próspera").