Combater os supersalários é agenda prioritária

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Um em cada quatro brasileiros acredita que todos ou a maioria dos funcionários públicos recebem os chamados supersalários, apontou pesquisa Datafolha encomendada pelo Movimento Pessoas à Frente em 2023.

A realidade é que 70% dos servidores públicos ganham até R$ 5.000 por mês, como mostrou o instituto República.org. No entanto, uma minoria de 0,06% tem rendimentos acima do teto constitucional, o que acaba por comprometer a moralidade, a equidade e a percepção da sociedade sobre o Estado brasileiro.

Por defender um Estado mais efetivo e justo, foi formada uma coalizão envolvendo dez organizações, que lançou em abril o Manifesto pelo Fim dos Supersalários.

Para dar dimensão ao tamanho do problema, nove em cada dez membros da magistratura receberam acima do teto constitucional em 2024, indica estudo da Transparência Brasil. No caso dos magistrados, em 2024 o ganho médio mensal líquido foi de aproximadamente R$ 60 mil, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acima do limite de R$ 46 mil.

Em 2023, os governos estaduais gastaram R$ 3,8 bilhões a mais do que o previsto para cobrir os custos do sistema de Justiça, segundo a plataforma JUSTA, e o custo total dos pagamentos acima do teto constitucional foi calculado em R$ 11,1 bilhões por estudo do Movimento Pessoas à Frente.
Esse montante equivale, aproximadamente, ao gasto necessário para o atendimento anual de 1,36 milhão de famílias no programa Bolsa Família.

Acabar com os supersalários exige respostas efetivas. O PL dos Penduricalhos (PL 2721/2021), aprovado pela Câmara e agora em debate no Senado, agrava o problema em vez de solucioná-lo. Em vez de combater os supersalários, ele permite que 32 benefícios possam ultrapassar o limite constitucional por serem classificados como verbas indenizatórias, em muitos casos de forma indevida.

A maior parte das exceções do PL institucionaliza privilégios. Estudo do Movimento Pessoas à Frente estima um custo adicional de pelo menos R$ 3,4 bilhões, e análise da Transparência Brasil com o Instituto República aponta que, em 2024, benefícios que somam cerca de R$ 7 bilhões seriam indevidamente transformados em indenizações apenas no Judiciário. Desse total, R$ 3,6 bilhões já são atualmente considerados remuneratórios pelo Conselho Nacional de Justiça.

Uma solução efetiva para os supersalários passa pela construção de uma alternativa baseada em princípios que impedem, de fato, a continuidade dos penduricalhos. É essencial classificar e distinguir adequadamente os pagamentos de natureza remuneratória dos indenizatórios. Também é preciso que estejam sujeitos ao Imposto de Renda, para um sistema tributário menos desigual.

É igualmente necessário estabelecer controles sobre os pagamentos, como a proibição da vinculação entre as remunerações de diferentes carreiras públicas, de modo que o reajuste para um grupo não gere aumentos em cascata. Também deve-se criar regras para pagamentos de valores passados, impedindo que sejam feitos de modo retroativo a longos períodos —como os R$ 3 bilhões em retroativos pagos a magistrados em 2024, segundo a Transparência Brasil. E é essencial que se dê transparência a toda remuneração paga pelo serviço público. Hoje, não é possível identificar corretamente 38% dos valores pagos aos magistrados e membros do MP.

Dados do Datafolha, de outra pesquisa para o Movimento Pessoas à Frente, apontam que 93% da população se posiciona contra os supersalários. Assim, essa deve ser uma agenda prioritária para um Brasil mais justo e democrático.

Temos nova janela para a ação, com o tema voltando às falas dos ministros Fernando Haddad e Esther Dweck e no Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados para a reforma administrativa, que traz o fim dos supersalários como eixo prioritário. O Congresso tem a chance e o dever de corrigir distorções históricas, para fortalecer a confiança no Estado brasileiro.

Magno Karl, Associação Livres
Tadeu Barros, Centro de Liderança Pública
Mariana Almeida, Fundação Tide Setúbal
Marcos Woortmann, IDS
Luciana Zaffalon, JUSTA
Tatiana Ribeiro, Movimento Brasil Competitivo
Jessika Moreira, Movimento Pessoas à Frente
Renata Boulos, Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades
Renata Vilhena, República.org
Juliana Sakai, Transparência Brasil

TENDÊNCIAS / DEBATES
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