Nunca levei a sério filmes de zumbis. Por que motivo eles estão sempre tão bravos? Na minha modesta opinião, é melhor estar meio-vivo que completamente morto. Eu próprio preferia andar por aí, meio cambaleante, mas ainda funcional, do que estar a sete palmos, imóvel, no caixão.
Se eu fizesse um filme de zumbis, o herói principal nunca fugiria deles. Ia tentar bater um papo. Eles vinham, todos tortos, e o personagem diria: "Que é isso? Calma, gente! Aproveitem a vida. Arranjem trabalho, botem uma pinturinha, passem um batonzinho."
Mesmo os hábitos alimentares deles me parecem excessivos. Carne humana o tempo todo? Não é saudável. Tentaria diversificar a dieta com peixe, alguns legumes, alguma fruta. Meu filme ideal seria sobre a educação de um zumbi. Ou como transformá-lo num membro útil da sociedade. Conheço casos de gente sem cérebro ou sem modos que conseguiu se dar bem na vida —por que não um zumbi?
Tentei explicar isso para minha esposa no meio do filme do Danny Boyle, "Extermínio", mas ela pediu silêncio —e o resto do cinema aplaudiu. Meu reino já não é deste mundo. Mas insisto: como explicar a obsessão da cultura contemporânea com nossos amigos descerebrados?
Por tédio, talvez. Vivemos mais. Vivemos melhor. Nossas sociedades seriam irreconhecíveis para as vidas inseguras e precárias de nossos antepassados.
Mas apesar disso, ou por causa disso, sentimos uma vontade animal de fantasiar nossa aniquilação física. Os zumbis são o apocalipse da classe média gentrificada.
Especialistas no assunto, como o estimável Ian Olney, discordam. Mortos-vivos no cinema e na televisão sempre existiram, escreveu ele em seu livro "Zombie Cinema". A questão é que houve uma explosão desse gênero na virada do milênio —e por motivos bem dramáticos.
O 11 de Setembro, o aquecimento global, a crise financeira de 2008, a crise dos refugiados no Mediterrâneo em 2015 e, claro, a pandemia de Covid —tudo isso só fez multiplicar o número de mortos andantes.
Seguindo esse raciocínio, os zumbis representam a ameaça terrorista, o colapso ambiental, o fim do capitalismo tardio, o medo do "estrangeiro" ou da contaminação viral —é só escolher.
Eu me recuso. Sempre que encontro um zumbi na tela, minha vontade é oferecer um banho, indicar um terapeuta, talvez um bom barbeiro. Estar meio-morto não é desculpa para abrir mão da higiene e do convívio social.
Era a pergunta de um milhão de dólares: como é possível que os mais pobres votem em Donald Trump? Não saberão eles que o partido republicano defende políticas —cortes fiscais para os mais ricos, desregulação, privatizações— que não os beneficiam?
Essa pergunta me dava bocejos. E então lembrava James Carville, estrategista da campanha de Bill Clinton em 1992, que resumiu o espírito da contenda com uma frase famosa: "É a economia, estúpido!"
Em 1992, era a economia, de fato. Hoje? É a cultura, estúpido. Nem tudo é materialismo nessa vida.
Os mais pobres votam na direita populista porque, entre outras razões, as causas culturais ou identitárias são mais importantes do que os benefícios econômicos.
Votam em Trump porque abominam as elites metropolitanas. Votam em Trump porque são mais conservadores em temas como o aborto ou as armas. Votam em Trump porque são mais patriotas.
O mesmo acontece na paradoxal relação entre as classes urbanas mais afluentes e a esquerda. Basta olhar para a eleição primária do partido democrata para a prefeitura de Nova York.
A vitória do socialista Zohran Mamdani, segundo o New York Times, também se deveu ao voto dos mais ricos e educados. Exatamente aqueles que mais têm a perder com as políticas socialistas do candidato —congelamento de aluguéis, impostos sobre a riqueza, restrições à especulação imobiliária etc.
O voto é cultural, não econômico. Para os apoiadores de Mamdani, "globalizar a intifada" é mais importante do que qualquer apoio à iniciativa privada.
Significa isso que a esquerda americana finalmente encontrou a receita para derrotar Trump e o trumpismo?
Não me parece. Se a maioria dos eleitores —especialmente nos estados-pêndulo— continuar sendo a classe trabalhadora branca (como ainda é o caso em Wisconsin, Michigan, Pensilvânia e Ohio), não vai ser com Mamdani que esse feitiço será quebrado.