Coloquei banana, maçã e refrigerante no mesmo parágrafo neste espaço, semana passada, por conterem frutose, e os leitores apressados caíram em cima. "Comparação infeliz", disse um. "Trabalha para alguma indústria", suspeitou outro. "Deplorável", decretou mais um. Tais comentários apenas confirmaram o que eu havia escrito bem lá no topo daquela coluna: É duro navegar o mundo de hoje, cheio de complexidades, sem uma base sólida de educação com a qual tomar as decisões mais simples, incluindo como interpretar um texto.
Voltemos à frutose, então, causa da ira de certos leitores por eu não ter absolvido as frutas e as colocado em patamar separado do conteúdo encaixotado e enlatado dos supermercados. Sim, banana e maçã têm uns seis gramas de frutose cada, e um copo de refrigerante, 20. Isto é fato. E também é fato que a frutose é ruim para o corpo.
Aos que não abandonaram a coluna já nesta frase, identifiquemos a personagem principal da estória. Frutose e sua irmã quase gêmea, a glicose, são as duas metades de cada molécula do "açúcar" do supermercado, de nome próprio sacarose. Glicose é o açúcar que move todas as células do corpo, sobretudo os neurônios que cada um usa como quer, inclusive para tirar conclusões precipitadas e debochar de colunista. Mas não é preciso comer glicose na forma de sacarose para alimentar os neurônios. Os carboidratos do arroz, da batata, do pão e dos legumes em geral são longas cadeias de glicose que o corpo sabe picotar. Aminoácidos das proteínas também podem ser transformados em glicose e redistribuídos pelo sangue. Se sobra, o fígado e os astrócitos do cérebro guardam na forma de glicogênio, para liberar como glicose depois, na hora do aperto.
Já a frutose, esta o corpo normalmente quase não faz. A que entra pela boca vinda de frutas ou do açúcar do supermercado e chega pelo sangue às células tem seu metabolismo próprio, com enzima dedicada que desvia para si o fluxo normal de geração de ATP das mitocôndrias a partir de glicose, interrompe o uso de reservas de gordura como fonte de energia, e de quebra promove a produção e o acúmulo de gordura no corpo. Muita frutose gera ácido úrico e causa a doença metabólica que vira obesidade e diabetes. Como eu disse: frutose faz mal.
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Por outro lado, a frutose pode ser a salvação de neurônios asfixiados, justamente por ter seu metabolismo próprio, que continua gerando ATP mesmo na falta de oxigênio. Roedores subterrâneos sobrevivem ao baixo oxigênio no fundo de suas tocas porque seus neurônios passam a usar frutose, o que sugere que promover o uso de frutose por neurônios durante ataques isquêmicos do cérebro humano pode ser uma saída para evitar danos maiores ou permanentes. É o lado bom da frutose, quando a alternativa é a morte.
O leitor quer instrução formulaica? Aqui vai: não coma "açúcar", porque metade dele é frutose. Coma frutas conscientemente, agora que você sabe que algumas contêm frutose de montão (e também fibras e vitaminas, que refrigerantes obviamente não têm), e que fruta demais promove doença metabólica, sim. Não existe alimento mágico; até água demais faz mal aos rins, e o oxigênio que a gente respira é o que nos mata no final. Como eu disse, a vida é complexa, e navegá-la com saúde requer se informar sem pré-julgar, pensar por conta própria, e compreender que as coisas podem ser boas e ruins ao mesmo tempo.
Referências:
Andres-Hernando A, Johnson RJ, Lanaspa MA (2019). Endogenous fructose production: what do we know and how relevant is it? Curr Opin Clin Nutr Metab Care 22, 289-294.
Park TJ et al. (2017). Fructose-driven glycolysis supports anoxia resistance in the naked mole-rat. Science 356, 307-311.