Guerra nuclear, guerra do IOF e derrota do governo

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Que semana, hein? Tendo começado com uma promessa de guerra nuclear entre EUA e Irã, logo tratou de mostrar que o fim do mundo seria um cenário otimista demais para o Brasil.

À moda de Donald Trump e da antipolítica que se normalizou na última década, a refrega foi anunciada às 23h35 da terça (24) pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, no X/ex-Twitter. "Boa noite!", escreveu o parlamentar. "Nesta quarta-feira, 25 de junho, a pauta da Câmara dos Deputados incluirá os seguintes temas: 1. PDL do IOF que susta o decreto que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras."

A lista seguia até o número quatro, mas a surpresa do primeiro item coroava declarações de hostilidade e resultou na manchete no dia seguinte: "Congresso impõe derrota ao governo Lula e derruba decreto que subiu IOF".

O revés na forma de texto presidencial barrado no Congresso era inédito desde Collor, mas leitores questionaram a interpretação que atribuía a derrota apenas ao "governo Lula". "Foi o governo Lula que saiu derrotado ou o povo brasileiro, a quem o Congresso supostamente defende?", escreveu a leitora Flávia Aidar.

"Na Folha, notícias boas põem ‘o país’ como sujeito (País cresce...); notícias ruins põem "O governo/Lula/Petista". Pode verificar. Assim, o jornal vai destilando veneno aos poucos", observou o professor e linguista Sírio Possenti.

A tensão entre o governo federal e o Congresso vinha aumentando desde que a reunião do dia 8 de junho, anunciada pelo ministro Fernando Haddad como um sucesso, começou a se revelar azeda, já no dia seguinte, entre o pinga-fogo nos jornais e as cutucadas nas redes. Foi num evento promovido por Valor/O Globo/CBN, aliás, que Motta avisou que o Congresso não tinha o compromisso de aprovar as medidas propostas por Haddad.

Alguma coisa ficou sem combinar, e na escalada que culminou na votação da quarta (25) foram levantadas as hipóteses de mágoas, de falta de emendas e do lançamento das cartas do "nós contra eles". A crise de popularidade do governo Lula também entraria na conta. Havia muito ruído, e o vaivém no qual a mídia também estava inserida não ajudou a tornar a questão mais clara para quem a acompanhava de fora.

Não bastasse a crise do IOF, o Congresso resolveu passar o trator e aprovar o aumento no número de deputados, em clara distorção das regras constitucionais. Escolheu fazê-lo mesmo diante de uma pesquisa Datafolha que mostrou oposição de 76% dos brasileiros à medida.

Entre um susto e outro, a Folha teve como um de seus pontos altos uma análise do jornalista Felipe Bächtold a respeito do tamanho do buraco: "Pautas controversas que não são identificadas nem como ‘de esquerda’ nem ‘de direita’ são articuladas em Brasília quase sem oposição ou reação popular. Passam longe dos grupos de zap ou dos bate-bocas entre petistas e bolsonaristas."

Mas o caso mostra, ainda, como os mecanismos de cobrança da imprensa estão estagnados, na melhor das hipóteses.

De volta à economia, não faltaram também críticas à suposta benevolência com que o jornal trataria o léxico de Haddad. "Incrível como o jornal se deixa levar pelos neologismos criados pelo professor. Os tucanos, que faziam o mesmo, ‘tucanavam’, sumiram do mapa. Será que vai ser o destino do ministro do ‘arcabouço’, do ‘gasto tributário’ e do ‘calibrar’?", questionou o leitor José Hamilton Cruz logo depois da fatídica reunião junina.

A pauta, aliás, foi esnobada pela Folha, mas acabou rendendo na coluna do economista Pedro Fernando Nery no Estado de S. Paulo ("‘Recomposição’, ‘equalização’ e ‘correção’: como Haddad resolveu ‘tucanar’ o aumento de impostos"). Havia sentido em mostrar como a ginástica vocabular acabava sendo um fator extra de irritação para os detratores da proposta.

No meio do tiroteio, sobrou uma pergunta simples e importante do leitor Raymundo de Lima: "Mas o que é IOF, pergunto à Folha? Embora coloque entre parênteses Imposto de Operações Financeiras, não esclarece (...) do que se trata tal imposto. É imposto para ricos que produzem nas indústrias? É imposto de ganhos do agronegócio? É imposto para gente que ganha dinheiro especulando?".

As explicações até existem, mas resultam esparsas. A eventual transigência com o palavrório econômico-político e com a falta de clareza pode contribuir para que a discussão permaneça camuflada nas redes e para que o noticiário se isole em sua própria bolha.

E as dúvidas não são só dos leitores. Num bom artigo do começo do mês, o professor e doutor em economia por Yale Bernardo Guimarães fez algumas perguntas que continuam esperando respostas, mais nebulosas ainda com a possibilidade da inclusão do Poder Judiciário na briga: "Qual é a alternativa? Que imposto será aumentado? Que gasto será cortado? Ou ficaremos com um déficit maior?".

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