Defender os palestinos da Faixa de Gaza entre evangélicos é mais incomum que ser de esquerda. Mas um grupo de igrejas presbiterianas e reformadas da América Latina topou o risco e divulgou carta condenando Israel pela "limpeza étnica na Faixa de Gaza, que causou milhares de mortes civis, deslocamentos em massa e destruição de infraestruturas essenciais".
A Aliança de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina (Aipral), autora da carta, é composta por 25 denominações, na sua maioria presbiterianas, espalhadas por quase todos os países da América Latina. Uma curiosidade é a Igreja Valdense do Rio da Prata, fundada por imigrantes de italianos que se fixaram na Argentina e Uruguai no século 19. São seguidores de Pedro Valdo, líder espiritual que propôs uma reforma da Igreja Católica Romana no século 12.
Além da denúncia da limpeza étnica comandada por Netanyahu em Gaza, o documento da Aipral faz críticas aos ataques militares de Israel contra o Irã e ao atentado terrorista de 22 de junho na igreja greco-ortodoxa Mar Elias (São Elias), em Dweila, Damasco.
Ao final os governos são exortados a "deter os massacres, abrir corredores humanitários e promover soluções políticas reais" e as igrejas são conclamadas a "orar, denunciar e agir por uma paz justa".
É raro uma voz evangélica criticar Israel. Por trás do apoio incondicional ao moderno Estado de Israel está a teologia fundamentalista adotada pelas igrejas evangélicas no Brasil e nos Estados Unidos. Segundo essa visão, a volta dos judeus para as terras bíblicas, a partir de 1948, é o cumprimento de uma profecia que deve preceder a volta de Jesus.
A paixão dos evangélicos por Israel tornou-se mais intensa nos últimos anos e a razão não é bíblica. Trata-se de afinidade política, uma vez que Binyamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel, lidera uma coalizão política de extrema-direita. Não por acaso, quando estourou a guerra contra o Irã uma caravana de prefeitos bolsonaristas estava em visita a Israel.
Há muitas contradições no apoio cego dos evangélicos ao governo de Netanyahu, porém, vou-me ater a duas coisas gravíssimas. Primeira, com base em profecias antigas cuja interpretação é obscura, mandamentos claros são abandonados: amarás o teu próximo como a ti mesmo, amarás teu inimigo, não matarás, não roubarás etc.
Cristãos deveriam defender com paixão o perdão aos inimigos e não o "olho por olho e dente por dente" invocado por Netanyahu para tocar o terror na Faixa de Gaza.
A segunda contradição está no fato de que entre palestinos há cristãos e, quando os evangélicos apoiam o extermínio dos palestinos pelo exército israelense, aprovam o assassinato de seus irmãos. Se não fossem cristãos, isso continuaria sendo errado, porém, ao aceitarem que Netanyahu siga com extermínio dos palestinos estão colaborando para que os sinais da presença de igrejas cristãs sejam apagados da Terra Santa.
Colunas e Blogs
Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha
Evangélicos brasileiros e estadunidenses, ciosos da expansão das igrejas cristãs, ao apoiarem cegamente o governo Netanyahu estão produzindo dois efeitos negativos para o cristianismo: eliminando cristãos árabes que estão há mais de mil anos na Terra Santa e prejudicando os cristãos que vivem em países muçulmanos.
Quando o mandato britânico terminou, em 1948, os cristãos na Palestina eram cerca de 19%, hoje representam cerca de 1% da população.
A carta dos presbiterianos e reformados termina com uma prece para que "Deus console as vítimas, fortaleça os que resistem e desperte a consciência dos povos para construir a paz". Minha oração é mais modesta: peço que os evangélicos abandonem o anticristianismo que os faz idolatrar Israel.