Aline Nascimento, 40, deixou a zona norte do Rio e se mudou com o marido há 11 anos para Florianópolis, onde um tio dele já morava. A decisão buscou qualidade de vida à época.
O objetivo, segundo Aline, foi alcançado. Ela diz que o casal logo conseguiu emprego e viu a chance de estar mais próximo da praia sem precisar "ser rico". Os dois tiveram um filho e hoje administram uma academia.
Ela considera que a capital catarinense é um dos melhores lugares nos quais a família poderia morar, mas diz que o custo de vida na região sul da ilha aumentou. "O valor dos imóveis, dos aluguéis, era outro. No pós-pandemia, ficou mais caro", diz. "Virou o lugar em que todo mundo quer morar. Chega gente de São Paulo, de Minas, de Goiânia."
Impulsionada pelo desembarque de migrantes, a população projetada de Santa Catarina deve sair de quase 8,2 milhões de habitantes em 2025 para 10,4 milhões em 2070, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Caso a estimativa se confirme, o estado ganhará quase 2,3 milhões de moradores no período de 45 anos. É o maior crescimento previsto em termos absolutos no Brasil.
As projeções mais recentes do IBGE foram divulgadas em agosto de 2024, a partir de atualização que incorporou dados do Censo 2022 e de outras fontes.
O horizonte dessas estimativas se estende de 2000, quando a população catarinense era calculada em 5,5 milhões, até 2070.
O crescimento previsto para o estado da região Sul destoa do quadro brasileiro. Sob impacto da queda na fecundidade, a população do país tende a perder 14,2 milhões de habitantes em 45 anos, passando de 213,4 milhões em 2025 para 199,2 milhões em 2070.
No Brasil, o número de moradores deve crescer ano a ano até 2041 e diminuir a partir de 2042. Em Santa Catarina, esse recuo tende a começar apenas em 2064, duas décadas depois, sem impedir que o estado chegue a 2070 com mais gente do que hoje.
A migração é peça-chave para entender o contexto local, diz Marcio Minamiguchi, gerente de projeções e estimativas populacionais do IBGE.
O Censo mostrou que Santa Catarina teve o maior saldo migratório entre os estados de 2017 a 2022. O ganho foi de 354,4 mil migrantes. Trata-se da diferença entre as chegadas de imigrantes (503,6 mil) e as saídas de emigrantes (149,2 mil).
Minamiguchi afirma ser "bem possível" que Santa Catarina atraia moradores devido ao mercado de trabalho. O estado tem a menor taxa de desemprego do Brasil.
Outras questões que pesam em fluxos migratórios, diz o técnico, são a proximidade geográfica e a formação de "redes". "É aquela coisa de ter um conhecido que migra para um lugar e que leva outras pessoas."
O Censo indicou que os vizinhos Rio Grande do Sul (26,8%) e Paraná (19,1%) foram os principais estados de origem de quem passou a morar em Santa Catarina de 2017 a 2022. São Paulo (12,4%), Pará (8,9%) e Bahia (4%) vieram depois.
A jornalista Gabriela da Silva, 38, saiu de Porto Alegre e fixou residência em Florianópolis na pandemia, após receber um convite de uma amiga para dividir as despesas de um apartamento.
Ela deixou um emprego do qual gostava no Rio Grande do Sul em busca de um estilo de vida perto do mar na região sul da ilha catarinense. "Desde criança tinha o desejo de morar na praia."
Gabriela diz que ganhou qualidade de vida nos últimos anos, mas também percebeu um aumento nas despesas. "A única coisa que talvez me tire daqui é o aluguel."
Há relatos semelhantes em outros municípios. O custo de vida em Balneário Camboriú (a 85 km da capital) faz com que trabalhadores morem em cidades vizinhas, como mostrou a Folha em janeiro.
O prefeito de Florianópolis, Topázio Neto (PSD), presidente da Fecam (Federação de Consórcios, Associações de Municípios e Municípios de SC), afirma que não há como revogar "a lei de mercado".
Ou seja, o poder público não poderia interferir na elevação de preços causada pela demanda maior por bens e serviços.
"As cidades litorâneas são as mais pressionadas pelo aumento do número de habitantes. Isso vai continuar acontecendo", diz. "Não há como impedir que o ser humano busque melhores condições de vida."
Topázio considera que municípios de pequeno e médio porte do interior do estado podem favorecer um ambiente urbano "controlado" nas próximas décadas, mas reconhece que a chegada de habitantes traz desafios.
"Os investimentos terão de ser feitos, principalmente em educação e saúde, e o mercado de trabalho tem de acompanhar, para que a gente continue dando qualidade de vida."
Mesmo com os desafios, o estado possui condições de ampliar sua população, avalia José Messias Bastos, coordenador do Labeur (Laboratório de Estudos Urbanos e Regionais) da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
Para o professor, que preside o Instituto Ignácio Rangel, serão necessários investimentos em infraestrutura e um modelo de ocupação "saudável" do território, com diferenças para o verificado em cidades como Balneário Camboriú, que tem arranha-céus lado a lado.
"Espaço não falta", diz.
Ao fazer uma análise histórica, Bastos afirma que o desenvolvimento catarinense ocorreu a partir de pequenas propriedades.
Isso, conforme o professor, permitiu o surgimento de muitos empreendimentos que prosperaram ao longo do tempo. O quadro, aponta, deu origem a uma economia diversificada, que emprega mão de obra com diferentes níveis de capacitação.
"Não quer dizer que Santa Catarina não tenha diferenças sociais significativas. Tem, mas não tão brutais quanto em outras unidades da federação."
Segundo o IBGE, mais cinco estados devem chegar a 2070 com acréscimo de moradores ante 2025. São os casos de Mato Grosso (mais 1,4 milhão), Goiás (901,5 mil), Amazonas (385,3 mil), Roraima (335,9 mil) e Mato Grosso do Sul (172,2 mil).
As maiores perdas, em números absolutos, são esperadas para São Paulo (menos 5,4 milhões) e Rio de Janeiro (2,7 milhões). O Rio Grande do Sul tende a mostrar a principal queda em termos proporcionais (redução de 19%).
Em Santa Catarina, o aumento esperado é de 27,6%. Apenas Roraima (45,5%) e Mato Grosso (35,2%) devem registrar taxas de crescimento superiores no recorte de 2025 a 2070.
A população catarinense é a décima maior do país e a terceira do Sul. Em 2070, ocupará a sexta posição nacional e a segunda na região, superando a gaúcha, caso as projeções se confirmem.
O secretário do Planejamento de Santa Catarina, Fabricio Oliveira, afirma que os migrantes procuram o estado em busca de qualidade de vida em áreas como segurança, emprego, saúde e educação.
"O governo entende que a chegada de novos moradores movimenta a economia, fortalece o mercado de trabalho e diversifica a cultura local", diz Oliveira, que foi prefeito de Balneário Camboriú (2017-2024).
Ele também diz que o estado vem se preparando para crescer de "forma equilibrada e sustentável".