Se você tivesse de responder instintivamente qual é a trilha sonora do medo na sua cabeça, eu seria capaz de apostar que ela é muito parecida com a sequência de notas musicais do tema de "Tubarão", mesmo que você nunca tenha assistido ao filme de Steven Spielberg. (Aliás, esse é o meu caso, o que não impede que a música tenha ganhado vida independente nos meus pesadelos.) Não sei se o filme, que está fazendo 50 anos nesta semana, ainda mantém sua capacidade de assustar, mas uma entrevista sobre o tema no site da revista científica Nature me fez ter consciência de alguns fatos assustadores —no melhor sentido da palavra– sobre tubarões.
"Os tubarões já estavam nadando no oceano antes que existissem árvores na terra firme", declarou o biólogo marinho David Shiffman à Nature. OK, minhas orelhas já ficaram em pé ao ler isso, embora a informação fizesse sentido dentro da linha do tempo da evolução da vida que eu conhecia. "E antes que Saturno tivesse anéis."
Só pode ser mentira, certo? Ocorre, porém, que o grupo dos tubarões existe há mais de 400 milhões de anos —mais ou menos cem vezes o intervalo de tempo que separa a nós, seres humanos vivos hoje, dos primatas bípedes que divergiram do grupo que deu origem aos chimpanzés atuais e deram início à nossa linhagem. O transcurso de quase meio bilhão de anos é suficiente para que a configuração do próprio Sistema Solar tenha mudado significativamente de lá para cá, o que inclui o surgimento dos célebres anéis, segundo as estimativas mais recentes.
Shiffman diz que, apesar dos pesares, o efeito de "Tubarão" não foi tão ruim para os bichos homônimos quanto seria de esperar. Embora a mística aterrorizante permaneça em muitos aspectos, o fascínio também estimulou uma profusão de documentários, fazendo com que as espécies da vida real se tornassem muito mais conhecidas do público. "Agora, há mais pessoas do que nunca que adoram tubarões, estão cientes da necessidade de protegê-los e querem ajudá-los", resume ele.
E tome necessidade de protegê-los, aliás. Uma das estimativas mais recentes, publicada no periódico científico Current Biology, indica que quase 40% das espécies de tubarões e arraias correm risco de extinção hoje.
Como se não bastasse, os bichos ainda são vítimas de uma prática especialmente cruel, o "finning" –ou seja, a retirada de uma ou mais barbatanas, especialmente valorizadas pelo comércio, enquanto o tubarão, ainda vivo, é lançado de volta ao mar (o que acaba levando à morte do peixe, incapaz de nadar e respirar direito). Para chamar a atenção sobre o problema, a ONG Sea Sepherd Brasil chegou a parodiar a musiquinha infantil "Baby Shark" (Bebê Tubarão), transformando-a em "Bye Bye Shark" (Tchau, Tubarão), destacando que o que chamamos genericamente de "cação" nas peixarias nada mais é do que tubarão ou arraia, às vezes de espécies que correm riscos sérios.
Como destaca Shiffman, mais seres humanos são mordidos por seres humanos a cada ano apenas no metrô de Nova York do que os que sofrem mordidas de tubarão no mundo inteiro (mais um dado aparentemente insano, eu sei, mas 100% real). Os dentes dos bichos, por outro lado, desempenham um papel essencial de controle ecológico de suas presas aquáticas, assim como acontece com todos os outros grandes predadores. Protegê-los, portanto, é essencial para manter o oceano saudável para todos, inclusive humanos.