A fabricante brasileira Taurus foi responsável pela venda de 57% dos fuzis adquiridos por CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) no país do início de 2019 a abril de 2025. Foram 52.143 mil armas, sendo 48.517 (93%) no governo de Jair Bolsonaro (PL) e 3.626 (7%) no de Lula (PT).
Embora as compras desse armamento tenham caído durante a gestão petista, os números voltaram a subir neste ano, como a Folha mostrou. Somente nos primeiros quatro meses de 2025 a aquisição de novos fuzis já supera o total registrado em todo o ano de 2024 —passou de 1.063 para 1.248.
Os dados inéditos foram obtidos pela Folha por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação) e analisados em parceria com o Instituto Sou da Paz. As informações são do Exército, que passou a atribuição da fiscalização dos CACs para a Polícia Federal em 1° de julho deste ano.
Atualmente há 1,5 milhão de armas nas mãos de 980 mil CACs.
Além dos fuzis, a Taurus também lidera as vendas de outras armas no país. A empresa é responsável por 78% das pistolas adquiridas por CACs —modelo que se tornou o mais popular após a flexibilização das regras, e por 60,5% dos revólveres. A princípio, não há qualquer irregularidade nessas vendas.
O empresário Johnwesley Martins, 37, adquiriu seu primeiro fuzil T4 da Taurus em 2021, quando o modelo custava cerca de R$ 13 mil. Atirador desde antes da eleição de Bolsonaro, ele já soma seis armas no acervo e frequenta semanalmente um clube de tiro em Vila Velha, no Espírito Santo.
Para ele, a transferência da fiscalização do Exército para a Polícia Federal será positiva. "Acredito que a análise vai melhorar e haverá mais controle, o que é bom porque afasta quem compra arma com outras intenções", afirma.
Com o avanço nas vendas, o faturamento da fabricante também cresceu e atingiu seu ápice em 2022, quando a Taurus registrou um lucro líquido de R$ 195 milhões apenas no primeiro trimestre. No mesmo período de 2025, porém, o cenário mudou: o lucro caiu 90,5%, chegando a R$ 18,6 milhões.
Em 2022, a empresa chegou a oferecer "condições especiais" para a compra de fuzis e carabinas. A promoção integrou a Semana Brasil, uma espécie de Black Friday antecipada criada para aquecer o varejo, com incentivo do governo Bolsonaro.
Além da queda no lucro, o valor das ações ordinárias da Taurus (que garantem direito a voto nas assembleias de acionistas) também vem recuando. Após a posse de Bolsonaro, os papéis iniciaram uma trajetória de alta e, em 2021, chegaram a ultrapassar os R$ 21,00.
Até o fim do governo, as ações ainda eram negociadas na faixa de R$ 11 a R$ 12. Com a eleição de Lula, os papéis iniciaram uma nova curva descendente. No pregão da última terça-feira (15), fecharam cotados a R$ 6,82.
Procurada, a Taurus afirmou, por meio de nota, que a queda nas vendas de fuzis por CACs está relacionada às mudanças recentes na legislação brasileira sobre armas de fogo.
Já em relação a queda de de lucro e ações, associa a um movimento do mercado mundial de armas, que reduziu o volume da comercialização. Esse movimentou se refletiu também nos EUA, principal mercado mundial da empresa. A Taurus disse que também contribuíram para a retração as restrições no mercado interno e os conflitos na Ucrânia (2022) e em Israel (2023).
"Embora os CACs sejam extremamente relevantes para a companhia, o volume de vendas no cenário macro não representa uma parcela significativa", disse.
Bruno Langeani, consultor sênior do Instituto Sou da Paz, disse que quando o Exército liberou fuzis para CACs, a Taurus já tinha estrutura e rede de vendas prontas, o que lhe deu vantagem no mercado. Além disso, questões cambiais encarecem os fuzis importados, favorecendo a produção nacional.
Roberto Uchôa, conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acrescenta que do ponto de vista da segurança pública, isso significa que as características técnicas e a política comercial de uma única empresa exercem um impacto desproporcional sobre o perfil do arsenal disponível no país.
A Folha já havia mostrado que representantes da indústria de armas e de associações do setor mantinham presença frequente no governo Bolsonaro. Salesio Nuhs, CEO da Taurus, era um dos que liderava a lista com seis entradas, sendo cinco no Palácio do Planalto.
Dados obtidos pela reportagem via LAI (Lei de Acesso à Informação) mostram que Nuhs também circulou no governo Lula. Somente em 2023, ele teve três acessos registrados no Planalto.
Essas visitas ocorreram antes da publicação do decreto que impôs novas restrições ao acesso a armas no país em julho de 2023. Como mostrou levantamento do Instituto Sou da Paz, o governo Lula atendeu a pelo menos oito pedidos do setor armamentista no decreto de armas.
Em nota, a Taurus afirmou que a empresa integra a Base Industrial de Defesa do Brasil e exporta seus produtos para diversos países. Por isso, mantém relação com diferentes ministérios e órgãos do governo. A agenda contempla a discussão de assuntos estratégicos relacionados ao setor de defesa e de segurança pública.
A reportagem procurou o Palácio do Planalto para comentar as entradas, mas não obteve resposta.
Segundo Bruno Langeani, armas amplamente disponíveis no mercado legal tendem a aparecer também no crime. "Temos visto apreensões de fuzis T4 da Taurus em bunkers do PCC, juntamente com drogas", apontou.
Como a Folha mostrou no ano passado, ao menos 8% das armas apreendidas em atividades criminosas no estado de São Paulo pertenciam a CACs, segundo relatório produzido pelo TCU (Tribunal de Contas da União).