Mortes: Ensinou química por exaustão e marcou a história de colégio tradicional de SP

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No fim dos anos 1960, Lucy Sayão Wendel foi contratada às pressas para dar aula de química para uma turma de meninos. Tão insubordinados, segundo contava, que fizeram a professora antecessora pedir demissão do cargo.

Ela não só colocou ordem naquela sala como ainda se tornou uma das mais marcantes professoras do tradicional colégio Santa Cruz, na zona oeste de São Paulo. Lucy deu aula na escola por 34 anos, sendo que começou a lecionar quando a instituição atendia exclusivamente homens.

"Desde o primeiro dia de aula, Lucy deixou claro que não levaria desaforo para casa. Logo começou a proferir frases de efeito: ‘Química se aprende por exaustão’, dizia, justificando a profusão de exercícios encaminhados como dever de casa", escreveu o ex-aluno e jornalista Camilo Vannuchi no perfil sobre Lucy em um livro comemorativo da escola.

A exigência para que os alunos dessem valor aos estudos vinha da experiência que ela teve dentro de casa. Sua mãe foi proibida de realizar o sonho de entrar em uma universidade, mas transformou a frustração em uma missão e começou a ensinar os próprios filhos a lerem em casa desde cedo.

Mais velha de quatro filhos, Lucy aprendeu a ler tão cedo e com tanta facilidade que seu pai chegou a falsificar um documento para que ela pudesse entrar na escola um ano antes do permitido na época.

"Estudar sempre foi algo muito natural e valorizado por ela. Ela encarava estudar com tanta naturalidade, que entrou em química na USP, em uma época que deveria ter pouquíssimas mulheres no curso, mas ela nunca nem mencionava isso. Não deve ter sido algo que a abalou", conta Patrícia Cardoso de Mello, 56, neta de Lucy.

As maiores inspirações de Lucy na carreira docente foram dois professores alemães que vieram ao Brasil fugindo do nazismo, Heinrich Rheinboldt e Heinrich Hauptmann, com os quais teve aula na graduação.

A paixão de Lucy pela química acabou sendo transmitida para muitos alunos, mesmo aqueles que de cara não se interessavam muito pela disciplina. "Ela ensinava com tanto entusiasmo que acaba contagiando. Eu digo isso não como neta, mas também por ter sido aluna da minha avó", relembra Patrícia.

Fábio Aidar, diretor-geral do Santa Cruz, que foi aluno e colega da professora por cerca de 20 anos, ressalta: "Mais do que uma professora exemplar, ela sempre foi uma pessoa generosa, atenta a cada um de seus alunos. Entre uma e outra aula de química, Lucy achava espaço para defender os princípios da democracia e para lutar por um país com menos desigualdades sociais."

Lucy morreu aos 100 anos no último dia 14 de junho, em sua própria casa. "Ela não teve nenhuma doença, nunca precisou tomar nenhum remédio. Morreu de velhice mesmo, foi como se uma chaminha tivesse apagado aos poucos naquele dia", conta a neta.

Ela deixa os 3 filhos, 8 netos, 12 bisnetos e centenas de ex-alunos.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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