Depois que fez 90 anos, Helena Monteiro da Costa teve a sua história resgatada. Nascida e criada em Santos, no litoral paulista, era apontada como a última herdeira direta de um antigo escravizado, do século 19, anterior à Lei Áurea. A história envolve, além da longevidade dela própria, também a de seu pai, que morreu aos 110 anos.
Conhecido como Maninho, Anizio José da Costa era nascido em Angola e foi traficado para o Brasil. Morou no quilombo do Jabaquara e trabalhou como estivador até os 108 anos. Helena é filha de seu último casamento, quando Maninho já tinha 90 anos. O segredo da longevidade de Helena não é o mesmo do pai. Ela garantia só ter chegado aos 100 anos porque nunca se casou.
Mesmo após a escravidão, a vida da família não foi fácil. Tanto que "pobre como Maninho" era um termo usado na cidade ao longo do século 20 como sinônimo de pobreza extrema.
Com esse histórico, Helena foi criada na rua da Liberdade. Desde pequena, pescava no canal próximo de sua casa com peneiras, para garantir comida em casa. Assim, comiam inclusive camarões. Também mantinham uma horta e um pomar, um cultivo de subsistência.
Com a morte do pai, ela chegou a deixar a cidade. Trabalhou como empregada doméstica, cozinheira e outras atividades de baixa especialização tanto na capital paulista quanto na cidade litorânea. Depois de aposentada, voltou a morar na mesma rua da Liberdade, não mais em um sítio, mas em uma pequena casa.
Apesar de não gostar de dançar, costumava frequentar os bailes com as irmãs. Também tinha prazer na leitura e em longas caminhadas. Na praça Palmares, onde há uma estátua em homenagem ao líder quilombola Zumbi, gostava de admirar as manobras dos skatistas na pista.
Um episódio que viu como racismo a afastou da Igreja Católica, que frequentava desde criança com as irmãs. Várias outras mulheres receberam a fita de Filhas de Maria e ela e as irmãs, não. Fora do catolicismo, partiu para a igreja evangélica, primeiro na Congregação Brasileira e depois no Exército da Salvação.
Religiosa, costumava frequentar os cultos mais de uma vez por semana. Também fazia cursos e outras atividades em centros para idosos. Em casa, lia a Bíblia.
No começo desta década, ficou conhecida depois de a revista Piauí e a Folha terem revelado a história de seu pai, a partir de pesquisas da antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz.
A partir de então, passou a ser convidada para atividades como os passeios de afroturismo, que resgatam a história negra na região. Viveu não só para completar o centenário, mas também para, em abril deste ano, ver a antiga travessa Comendador Netto, um antigo escravagista, ter seu nome alterado para Anísio José da Costa, em homenagem a seu pai.