O balão vai subindo (em busca de mosquitos)

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Se você avistar um balão pelos céus do Brasil, é possível que ele seja de Filipe Abreu, um biólogo especialista em parasitas. Mas, calma: embora estejamos no mês de junho, isso não tem nada a ver com a tradição (nada bem-vinda) de soltar balões durante as festas de São João –prática que, além de perigosa, é crime ambiental. Abreu está, na verdade, em busca de mosquitos.

Os balões do biólogo são daqueles grandes, redondos e brancos, que geralmente estampam a propaganda de alguma marca em shows de rock e afins. Mas Abreu, professor no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, usa os balões para coletar insetos a diferentes alturas –50, 100, 150 e 200 metros acima do nível do solo.

Ele quer entender como mosquitos transmissores de doenças como febre amarela, malária e mayaro, e também outros insetos considerados pragas agrícolas, se espalham tão rapidamente por todas as regiões do Brasil, causando problemas econômicos e de saúde pública. Atualmente, pouco se sabe sobre o modo como eles se deslocam para áreas tão distantes. A hipótese do cientista é que pegam carona nas correntes de vento para viajar por aí.

Na prática, Abreu e seus colaboradores enchem os balões de gás hélio para suspender armadilhas –painéis impregnados de cola, onde os insetos grudam. O número e as espécies de insetos encontradas, associados à velocidade e direção do vento, são usados para calcular o potencial de dispersão e o impacto desse comportamento na saúde pública e no agronegócio.

Antes disso, no entanto, Abreu precisou dar um pulo no Senegal. É que a inusitada metodologia de amostragem de insetos em altas correntes de vento é relativamente nova, e até então só vinha sendo feita naquele país, Mali e Quênia.

Em outubro de 2024, ele passou três semanas em Dakar, com colaboradores do Instituto Pasteur local, além de colegas do National Institutes of Health (NIH), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do IFNMG. Viu de perto como é feito o preparo das armadilhas, o lançamento e o recolhimento do balão.

"Quis aprender na prática, pois às vezes os detalhes metodológicos, que fazem toda a diferença para o funcionamento do método –o chamado ‘pulo do gato’–, não estão descritos nos artigos", conta. "Foi uma experiência maravilhosa e transformadora, pois pude interagir com pesquisadores brilhantes, conhecer uma cultura totalmente diferente e aprender todos os passos para a implementação do método no Brasil."

A preocupação especialmente rigorosa com a metodologia, que o levou até o Senegal, não veio do nada. Durante a graduação em biologia pela UFMG, Abreu aprendeu a duras penas a importância de métodos muito bem testados antes de sua implementação.

Na iniciação científica, ao estudar ecologia de cavernas, ele começou a coletar piolhos-de-cobra e marcá-los utilizando fios do próprio cabelo para identificar os animais –inicialmente, seu grupo usava linhas de pesca, mas elas eram muito espessas e acabavam prendendo as pernas de alguns bichos. Após sete meses de experimentos e centenas de fios de cabelo a menos, eles perceberam que os piolhos-de-cobra estavam conseguindo escapar.

"Isso invalidava completamente o experimento, ou seja, nenhum resultado foi alcançado", lamenta Abreu. "A lição que tirei é que devia ter testado a metodologia antes –por exemplo, ter mantido em cativeiro alguns animais marcados com cabelo para verificar se eles se soltariam."

Erros são parte natural do processo científico e ajudam a aprimorá-lo. Mas não deixam de ser marcantes. "A história de um dos meus fracassos científicos é também a história do início da minha calvície", brinca o cientista.

Clarice Cudischevitch é jornalista e gerente de Comunicação no Instituto Serrapilheira.

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