Não há bioma mais decisivo para a agropecuária, os recursos hídricos e a geração elétrica no Brasil do que o cerrado. Mas a savana está secando, pondo tudo isso sob ameaça.
Segundo dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, de 1970 a 1979, a precipitação média no bioma foi de 680 mm anuais; de 2012 a 2021, passou a 539 mm, uma redução de 21%.
Menos água caindo do céu, menos água correndo nos rios. Na comparação entre os mesmos períodos, a vazão de segurança nos corpos d’água —a que se mantém em 90% do tempo— foi de 4.742 m³/s (metros cúbicos por segundo) para 3.444 m³/s, o que representa queda da 27%.
Tais cifras, um pedido silencioso de socorro, constam do relatório "Cerrado: O Elo Sagrado das Águas do Brasil", da Ambiental Media, organização de jornalismo investigativo baseado em ciência de dados. Mais evidências a reforçar a noção de que o cerrado pode ser hoje um bioma até mais ameaçado que a amazônia.
A formação florestal do tipo savana já perdeu metade da vegetação originária, ante menos de 20% da célebre floresta equatorial a noroeste dela. Sofre pressão contínua do agronegócio, que concentra no Centro-Oeste um terço do PIB do setor, em especial soja, milho e carne bovina.
O cerrado, que cobre 25% do território nacional, abastece 8 das 12 principais regiões hidrográficas do Brasil. Mesmo não sendo a área com mais produção hidrelétrica, suas cabeceiras alimentam rios com barragens em outras partes do país.
O bioma adaptado ao fogo sazonal, cujas raízes profundas distribuem água pelo solo e perenizam nascentes, dá sinais de sucumbir, porém, ao uso antrópico das chamas para manejar pastos. Segundo o "Relatório Anual do Fogo" do sistema MapBiomas, em 2024 ele concentrou 35% do total queimado no Brasil.
É também o bioma que mais sofre com recorrência de fogo, de acordo com imagens de satélite. Entre 1985 e 2024, nada menos que 37 mil km² —área quase do tamanho do estado do Rio de Janeiro— foram afetados por incêndios no mínimo 16 vezes.
"O cerrado é o coração que pulsa a água pelo Brasil, e os rios são as veias", compara Yuri Salmona, coordenador do estudo da Ambiental Media. "Esse coração está infartando e perdendo a capacidade de pulsar, justamente porque estamos desmatando."
E a mudança climática agravará esse processo. O agronegócio, maior responsável pela devastação e vítima potencial desse desequilíbrio, já demora a acordar para a gravidade da situação.