Em janeiro, a Sociedade Astronômica Americana organizou um painel para discutir como o Observatório Vera C. Rubin, construído no Chile, transformaria os estudos científicos sobre matéria escura, energia escura e os cantos mais tênues do Cosmos.
Todas as seis integrantes do painel, cada uma ocupando um cargo de liderança relacionado ao observatório, eram mulheres.
A mensagem, intencional ou não, era clara: o legado de Vera Cooper Rubin (1928 - 2016), que dá nome ao observatório, não era apenas a forma como seu trabalho revolucionou a compreensão do Universo. Era também a maneira como ela abriu caminho para que mulheres e outros grupos historicamente sub-representados na ciência fizessem o mesmo.
"O Universo é universal", disse Sandrine Thomas, diretora-adjunta de construção do observatório, durante o painel.
O telescópio está pronto para iniciar a mais ampla e profunda varredura do céu do hemisfério sul em um clima político diferente nos EUA, em que a ciência enfrenta cortes de financiamento, cancelamentos de projetos de pesquisa e retrocessos em programas relacionados à diversidade, equidade e inclusão.
Os astrônomos estão preocupados com o que isso significa para o futuro do observatório, que é financiado pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos e pela Fundação Nacional de Ciência americana, e foi renomeado em 2020, próximo ao fim do primeiro governo Trump, em homenagem a Rubin.
"Ela foi o modelo definitivo para mulheres na astronomia na geração seguinte à dela", afirmou a astrônoma Jacqueline Mitton, baseada na Inglaterra e autora de uma biografia sobre Rubin.
O fato de o observatório levar seu nome parece ter "inspirado sua liderança a abraçar o que ela representava", acrescentou Mitton, o que dá continuidade ao seu legado.
Na década de 1970, Rubin, com seu colega Kent Ford, deduziu a partir do movimento giratório de galáxias distantes que havia mais no Universo do que o que se via pelo olho telescópico, uma substância invisível conhecida como matéria escura.
"É uma das maiores conquistas da cosmologia moderna", afirmou a astrônoma Sandra Faber, da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, que passou um verão como assistente de Rubin. "Gravitacionalmente, é o cão que abana o rabo de tudo o mais no Universo."
Mas Rubin enfrentou barreiras como uma das poucas mulheres em seu campo. Ela foi desencorajada de seguir uma carreira em astronomia e teve acesso negado a telescópios de última geração. Inicialmente, os astrônomos descartaram suas evidências sobre a matéria escura. E, embora seu trabalho tenha sido pioneiro para uma nova compreensão do Universo, ela nunca ganhou um Prêmio Nobel, para o desgosto de muitos.
Muitos astrônomos a descreveram como uma defensora ferrenha de outras mulheres na área.
A astronomia e a astrofísica buscam ser mais inclusivas em termos de gênero atualmente. Parte desse esforço tem sido reconhecer aqueles cujas contribuições foram negligenciadas. Nas agências científicas federais americanas, isso incluiu a decisão de nomear o observatório em homenagem a Rubin, e um telescópio espacial da Nasa em homenagem a Nancy Grace Roman, a primeira chefe de astronomia da agência.
"Todo mundo já ouviu falar de Einstein e Feynman e todos esses outros físicos do sexo masculino", disse Leanne Guy, cientista de gestão de dados do Observatório Rubin. Isso é revelador, segundo ela, "sobre como as contribuições das cientistas mulheres simplesmente não estiveram na vanguarda de nada."
Alguns espectadores do painel Rubin em janeiro interpretaram seis mulheres representando o observatório como uma mudança significativa.
Guy, uma das participantes do painel, enfatizou que ela e suas colegas foram escolhidas para falar não porque eram mulheres, mas porque conquistaram suas posições.
"Quando comecei como estudante universitária, você nunca teria encontrado um painel como este", afirmou a cientista. "Esta é uma reflexão realmente visível e concreta dos tempos atuais."
A equipe que administra o Rubin tem um histórico de priorizar os valores incorporados em diversidade, equidade e inclusão. Forneceu recursos para cuidados infantis em reuniões científicas, recrutou pesquisadores de instituições que atendem minorias e trabalhou para desenvolver ferramentas para astrônomos com deficiência visual.
O programa de educação e divulgação pública do Rubin, projetado para envolver um público diversificado na descoberta cósmica, está entre os primeiros a ser totalmente financiado na fase de construção de um observatório.
Contudo, enquanto o Observatório Rubin inaugura uma nova era para a ciência, o mesmo fez a administração Trump.
Quatro dias após o painel em janeiro, o republicano emitiu uma ordem executiva que pedia o fim de ações de diversidade, equidade e inclusão em todo o governo federal, citando "programas de discriminação ilegais e imorais".
Mudanças abrangentes ocorreram em agências científicas enquanto elas trabalhavam para cumprir a ordem. Instituições retiraram páginas da web que antes expressavam compromisso com diversidade, equidade e inclusão. Muitas bolsas de pesquisa que incluíam atividades nesses temas foram canceladas por agências federais, incluindo a Fundação Nacional de Ciência.
O Rubin não ficou isento das mudanças. Canais de mensagens privadas criados para membros LGBTQ+ envolvidos no observatório foram temporariamente desativados. Desapareceram do site do observatório textos que descreviam a ciência como dominada por homens e mencionavam o trabalho do observatório para aumentar a participação de grupos historicamente excluídos.
Em maio, o governo Trump propôs um orçamento que, se aprovado pelo Congresso, cortará o financiamento da Fundação Nacional de Ciência em 56%. Uma razão significativa para essa redução, de acordo com a solicitação orçamentária, foi a eliminação de iniciativas de diversidade, equidade e inclusão.
Mais tarde naquele mês, membros da equipe do Observatório Rubin expressaram preocupação sobre o futuro do financiamento científico, mas hesitaram em especular sobre o que isso poderia significar para o telescópio.
Guy disse que não planejava mudar sua abordagem como membro do observatório. "Nosso princípio unificador é a ciência."
Os astrônomos permanecem cautelosamente otimistas sobre o futuro do Rubin, tanto em continuar promovendo os valores da mulher para quem foi nomeado quanto na capacidade do observatório de alcançar seus objetivos, mesmo em um cenário de financiamento conturbado.
O legado de Rubin, disseram eles, continuará vivo.