Oceanos cada vez mais ácidos ameaçam a criação de ostras

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Há dezoito anos, larvas de ostras cultivadas começaram morrer de forma massiva, intrigando os gerentes de criadouros no Noroeste do Pacífico, nos Estados Unidos, e ameaçando uma parte significativa da economia da região.

Até 90% das ostras-do-Pacífico cultivadas —a espinha dorsal da indústria— estavam sendo dizimadas. Empresas como a Fazenda de Frutos do Mar Taylor, a maior produtora do país, agora administrada pela quinta geração da família Taylor, estavam à beira da catástrofe.

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"Foi uma crise, a indústria estava prestes a entrar em colapso", disse Bill Dewey, porta-voz da fazenda, com sede em Shelton, no estado de Washington.

O culpado, descobriu-se, era um oceano cada vez mais ácido, e as pesquisas para resolver o mistério impulsionaram o estado para a vanguarda dos esforços mundiais para entender e compensar a composição química dos mares, que está mudando.

Agora, a corrida global contra a acidificação dos oceanos está se intensificando à medida que os níveis de dióxido de carbono (CO2) nos mares aumentam. Um estudo recente descobriu que os oceanos do mundo cruzaram um "limite planetário" em 2020 e alertou que as coisas estavam piores do que se pensava anteriormente. Os pesquisadores disseram que as condições deterioradas poderiam "resultar em declínios significativos em habitats adequados para importantes espécies calcificadoras", incluindo recifes de coral e bivalves.

"Estamos vendo uma mudança muito significativa na taxa de acidificação", disse Richard Feely, oceanógrafo químico da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa, na sigla em inglês) em Seattle, que tem estudado o problema desde que surgiu pela primeira vez, e autor do artigo recente. "A taxa de mudança mostrou uma alteração muito mais rápida nos últimos 50 anos do que nos 200 anos anteriores. A expectativa é que, enquanto contiuarmos liberando dióxido de carbono na atmosfera, essa taxa continue a aumentar."

Quanto a exceder um limite planetário, isso significa que "ainda não cruzamos um limite crítico, mas não estamos mais na zona segura", disse Feely.

E à medida que a taxa de acidificação aumenta, os cientistas estão considerando opções drásticas e controversas para tentar conter os danos que estão enfraquecendo os esqueletos dos recifes de coral, os habitats de milhões de espécies e as conchas de animais bivalves e zooplâncton, essenciais para a cadeia alimentar marinha.

Ostras, mexilhões e outros bivalves desempenham um papel essencial nos ecossistemas marinhos —eles filtram e limpam a água, fornecem alimento para aves e caranguejos, protegem as costas e criam habitat para outras espécies.

Um dos primeiros remédios bem-sucedidos foi a introdução de carbonato de sódio na água do mar nos criadouros. Agora, os especialistas estão explorando contramedidas muito mais extensas: adicionar minerais ao longo das costas para lavar água alcalina no mar; construir instalações de alta tecnologia que removem a acidez do oceano; e criar novos tipos de ostras resistentes a níveis mais altos de acidez.

Mas os pesquisadores alertam que alguns dos métodos sendo estudados para mudar a química do oceano podem desencadear efeitos adversos não intencionais em outras espécies e nos próprios mares.

Além disso, é esperado que cortes no financiamento federal para pesquisa científica tenham um impacto significativo nessa pesquisa. O governo Trump propôs eliminar o financiamento para vários programas oceânicos supervisionados pela Noaa, incluindo um sistema de observação fundamental que produtores usam para monitorar condições da acidez em tempo real.

E muitos funcionários da Noaa se aposentaram ou foram demitidos. "Trabalhamos em estreita colaboração com parceiros federais e dependemos de dados da Noaa", disse Jodie Toft, diretora executiva do Fundo de Restauração de Puget Sound. "Sentimos que isso está em risco."

Sem mitigação, a acidificação dos oceanos terá um impacto significativo na indústria de mariscos e nos consumidores, de acordo com um estudo governamental publicado em 2020. Quase todas as ostras consumidas pelos americanos são cultivadas.

No Noroeste do Pacífico, a maioria dos mariscos cultivados é criada no estado de Washington, gerando uma indústria avaliada em US$ 270 milhões por ano e fornecendo mais de 3.000 empregos. No geral, a indústria de ostras é um importante motor econômico da Califórnia Central até a Colúmbia Britânica.

Durante anos, a indústria também foi afetada pelos efeitos do aumento das temperaturas oceânicas, que enfraquecem os sistemas imunológicos das criaturas marinhas, tornando-as mais suscetíveis a patógenos. No ano passado, um surto de envenenamento paralisante por mariscos, causado por algas que produzem neurotoxinas, varreu a Costa Oeste dos EUA. Isso interrompeu a colheita de mariscos selvagens no Noroeste do Pacífico por meses.

Embora tais surtos tenham ocorrido ao longo dos anos, a acidificação e as mudanças climáticas provavelmente os exacerbam, disseram os pesquisadores.

Pesquisas mostraram que a acidificação ocorre a partir de duas fontes ao longo da Costa Oeste. À medida que os humanos bombeiam CO2 para a atmosfera, a quantidade absorvida pelos oceanos aumenta. Cerca de 30% do carbono emitido durante a era industrial foi absorvido pelos oceanos.

A Corrente da Califórnia —água fria e rica em nutrientes que flui do Pacífico norte ao longo da costa oeste até o México— é a segunda fonte de carbono. Durante a primavera e o verão, os ventos afastam a água da superfície da costa, e ela é substituída por águas mais profundas, frias e ricas em nutrientes. Estas águas são uma das chaves para a produtividade dos bancos de ostras locais.

Mas a vegetação em decomposição na água também produz dióxido de carbono, contribuindo para níveis muito mais altos de acidificação quando a ressurgência da Corrente da Califórnia faz sua aparição sazonal. Um estudo publicado em 2019 descobriu que as águas da Costa Oeste estavam se acidificando mais rapidamente do que em qualquer outro lugar do mundo.

As ostras, desde quando são larvas, dependem dos minerais da água para construir suas conchas.

A acidificação muda a química do oceano, especificamente o ponto de saturação dos dois principais minerais necessários para construir conchas de ostras: calcita e aragonita, uma forma de carbonato de cálcio. Se as larvas de ostras não tiverem aragonita suficiente, elas morrem de fome ou sucumbem aos predadores.

"Os efeitos letais nos mariscos realmente ocorrem na fase larval", disse Terrie Klinger, professora de ecologia marinha na Universidade de Washington e co-diretora do Centro de Acidificação Oceânica de Washington.

No início, produtores e cientistas construíram estações de monitoramento nos criadouros para que pudessem responder aos níveis crescentes de acidez injetando carbonato de sódio na água. As fazendas de ostras agora estão movendo os berçários para águas menos ácidas quando possível.

Por enquanto, a indústria está prosperando. A família Taylor possui ou arrenda 5.665 hectares ao longo da Costa Oeste, onde cultivam cinco tipos do molusco.

Depois que as ostras deixam o criadouro, são plantadas em planícies de maré, no solo ou em bolsas flutuantes, e na maré baixa, são colhidas após um ou dois anos —às vezes até cinco anos. A empresa produz 40 milhões de ostras vivas por ano: 1.814 toneladas amêijoas-manila, 680 toneladas de mexilhões e 453 toneladas de amêijoas-gigantes, segundo Dewey.

Mas o futuro da criação de ostras é incerto. "A preocupação nos próximos anos é que as condições químicas vão piorar e afetar os animais em nossas fazendas no oceano, onde não temos a capacidade de tratar a água como fazemos no criadouro", disse Dewey.

Outra possível complicação para as fazendas comerciais diz respeito à ostra-do-Pacífico, que foi introduzida na região vinda do Japão na década de 1920 porque era fácil de cultivar.

"Há especulação, mas nenhuma evidência clara de que as ostras-do-Pacífico favorecidas pela indústria comercial são mais sensíveis à acidificação porque evoluíram em um ambiente diferente, onde eram menos expostas às águas corrosivas associadas à ressurgência da costa oeste", disse Jan Newton, oceanógrafa e co-diretora do Centro de Acidificação Oceânica da Universidade de Washington.

Os pesquisadores também estão explorando outras adaptações. Eles estão criando ostras que podem ser mais resistentes a águas ácidas. Os agricultores estão considerando a possibilidade de refúgios naturais para cultivar ostras, incluindo o plantio de densas faixas de plantas marinhas, que absorvem CO2, perto das fazendas.

Pesquisadores na costa de Washington e em outros lugares estão estudando, ainda, estratégias para remoção do dióxido de carbono, um tipo de geoengenharia. Uma técnica despeja um mineral chamado olivina ao longo das costas oceânicas porque ele é liberado lentamente no ambiente e porque captura dióxido de carbono à medida que é absorvido pelo mar.

Várias empresas estão construindo instalações de teste que processariam a água do mar, removendo ácido e devolvendo água mais alcalina ao oceano.

Mas essas novas abordagens são praticamente não testadas e controversas. Em 2023, dezenas de governos alertaram sobre planos para aumentar a alcalinidade do oceano, citando possíveis "efeitos deletérios que são generalizados, duradouros ou graves".

"A geoengenharia frequentemente pode ter consequências não intencionais", disse Newton. "Ela pode funcionar em um ambiente de laboratório? Talvez. O que acontecerá no ambiente natural é menos conhecido".

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