Os ventos do Norte, inflados pela promulgação, na semana passada, da Lei Orçamentária do governo Trump, trouxeram más notícias para a natureza e o clima. Batizada por seu patrono, modestamente, de Big Beautiful Bill (Lei Grande e Bela), a nova legislação, entre outras medidas que podem comprometer o bem-estar da população, reduz os incentivos à energia limpa e reforça a poderosa indústria norte-americana de petróleo e gás.
É uma trágica ironia que a assinatura da lei, com pompa e circunstância, na cerimônia do Dia da Independência do país, tenha acontecido enquanto uma devastadora enchente arrasava o Texas com dezenas de vítimas fatais, entre elas, meninas de um acampamento cristão.
O impacto global da decisão tomada pelos EUA, o maior produtor mundial de combustível fóssil e, historicamente, o principal emissor de gases do efeito estufa no planeta, afeta a todos nós.
Essa letal combinação de decisões políticas erradas com a aceleração das mudanças climáticas – e o fato, já incontestável, de que ultrapassamos sete dos nove limites planetários, entre eles as mudanças no uso da terra, a perda de biodiversidade e a poluição química -levou o renomado ambientalista canadense David Suzuki a decretar, em uma recente entrevista ao site iPolitics: "É tarde demais".
Para Suzuki, estamos presos aos mesmos sistemas legais, econômicos e políticos que não protegem a natureza, e o que nos resta é nos prepararmos para os eventos extremos e nos adaptarmos a uma nova realidade climática. Olhando somente com a perspectiva do Norte -onde ele está no mundo - ele tem seu ponto. Mas a saída está em olhar para o planeta como um todo, em especial para a inovação, ambição e liderança que vem do Sul.
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Já escrevi sobre o otimismo teimoso e informado que não nos deixa jogar a toalha. Precisamos, sim, investir em adaptação climática, mas também intensificar a mitigação das emissões de gases de efeito estufa. E temos alguns caminhos abertos pelos ventos vindos do Sul Global capazes de provocar mudanças nas configurações geopolíticas e, portanto, nos processos decisórios globais. Muito se tem analisado a transformação estratégica na política energética chinesa, que levou o país, mesmo mantendo atualmente o primeiro lugar no ranking de emissões, a registrar no ano passado um número de instalações de turbinas eólicas e painéis solares maior do que o do restante de todo o mundo.
Durante a reunião dos Brics no Rio, encerrada nesta segunda, vazou a informação de que a China havia sinalizado ao governo brasileiro sua adesão ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, em inglês), para a preservação desses biomas. Seria a primeira contribuição de um país do Sul Global a esse tipo de mecanismo, abrindo fronteiras promissoras no financiamento climático Sul-Sul. O apoio ao TFFF está na declaração final desse encontro, no qual as lideranças do Brics se comprometeram a juntar forças na reforma do sistema financeiro internacional e em iniciativas mais justas e amplas para a transição econômica dos países de menor renda média. É um marco para uma solidariedade Sul-Sul que desate os nós na desigualdade de condições e recursos entre os países mais ricos do Norte e os demais.
Se a mudança climática está aqui na nossa frente, a natureza está em nós. A chave para a construção da confiança em um mundo tão dividido está em investir nos ecossistemas que sustentam a todos nós, para que a responsabilidade ambiental, o enfrentamento à crise climática -e a esperança soprada pela natureza - sejam, de fato, globais.