Parando de seguir em 3, 2, 1

1 week ago 6

"Eu nunca mais vou gostar de você" afirmou com convicção minha filha de seis anos quando lhe disse que não poderia usar uma taça de vinho para tomar água com gelo no café da manhã.

"Tudo bem, filha, meu trabalho não é fazer você gostar de mim", lhe respondi. Ela bateu o pé, virou as costas e foi para o quarto.

Voltou dez minutos depois, com semblante tranquilo, revistinha da Mônica em uma das mãos. Se dirigiu à mesa e me perguntou com tranquilidade enquanto apontava para o prato de tapioca já servido: "Esse é pra mim, mamãe?"

Eu sentei ao seu lado e perguntei se ela achava que sua reação de minutos antes havia sido apropriada. Ela disse que não, e pediu desculpas. Eu a parabenizei por ter conseguido controlar as suas emoções e voltado a falar comigo.

Ela seguiu para a escola com o pai e eu finalmente consegui sentar para tomar o meu café enquanto me distraía com a vida dos outros nas redes sociais, procurando assuntos interessantes (também conhecidos como polêmicas) que pudessem servir de gancho para esta coluna.

Não demorou para que eu entendesse que o assunto do momento era Anitta, que apareceu nas redes depois de meses de sumiço digital com um rosto claramente modificado. O povo foi à loucura. Mulheres reclamaram que o excesso e a banalização de cirurgias plásticas estavam aumentando ainda mais a pressão pela perfeição numa geração de meninas com a saúde mental e autoestima já prejudicadas pelas redes sociais. Outras reagiram, reafirmando a liberdade de Anitta em fazer o que quiser com seu corpo e seu rosto. E rechaçando a onda do que chamaram de "ataques" à cantora e seu novo visual.

Eu confesso ter lido três ou quatro artigos e posts de ambos os lados e concluído que não tinha mais nada a acrescentar sobre o assunto. Até que me deparei com um comentário: "Eu não esperava ouvir isso de você. Parando de seguir em 3,2,1…"

Cliquei na cara da criatura e fui averiguar se a ameaça havia de fato sido cumprida. E foi. Ela não mais seguia o autor do post em questão.

Não era a primeira vez que me deparava com esse tipo de birra digital. Gente que, frustrada com uma atitude ou opinião que diverge da sua, não hesita em clicar com fúria o unfollow. Não sem antes fazer o anúncio oficial de sua saída para que o autor do post tenha plena consciência da atrocidade que cometeu ao expor a sua opinião.

Nesses muitos anos de estrada digital, eu também já deixei de seguir muita gente. Gente que não agregava nada na minha vida ou que não apareceu por muito tempo e eu não senti falta ou ainda gente que tinha cometido algum tipo de mau caratismo, crime ou ofensa imperdoável. Por sorte, esses últimos foram bem poucos. Mas nunca que eu deixei de seguir alguém —muito menos me dei o trabalho de alardear o meu unfollow— por conta de uma mera opinião que não batia com a minha.

Sinto que tem muita gente por aí precisando ser lembrada desta lição que proferi hoje de manhã à minha filha. Que o trabalho das pessoas ao nosso redor não é nos agradar. Pelo contrário. Que bom é ter contato com gente da qual discordamos, que nos desafia com inteligência, que nos põe pra pensar, questionar nossas verdades, mesmo que seja apenas para que, ao final, tenhamos mais convicção delas.

Na contramão dos intolerantes, decidi, portanto, me tornar mais vocal a respeito da minha apreciação de um bom debate. Ao invés de anunciar o unfollow aos que discordam de mim e ousam postar suas opiniões com respeito e generosidade, passarei a anunciar que fico.

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