A Corregedoria da Polícia Civil investiga desde abril uma delegada de plantão do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) responsável por acompanhar o caso do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, 22. Ele foi baleado e morto por um policial militar em um hotel na Vila Mariana, zona sul de São Paulo, em novembro passado.
A morte de Acosta foi gravada por um câmera na hospedaria e pelos equipamentos usados por dois policiais.
A investigação interna teve início em abril, após uma denúncia que citava supostos equívocos e omissões no caso—o principal deles seria o fato dos PMs envolvidos não terem sido presos em flagrante logo após atirarem em Acosta.
A apuração apontou que a delegada que estava de plantão na noite do crime, Aline Martins Gonçalves, 46, cometeu uma série de erros. Procurada pela reportagem, ela afirmou que agiu corretamente.
O relatório final afirma que Gonçalves deveria agir com "extrema cautela e diligência, analisando minuciosamente todas as provas disponíveis antes de tomar qualquer decisão. E, caso mantivesse a decisão de não lavrar o auto de prisão em flagrante, era imprescindível que fundamentasse de forma clara e robusta, garantindo a transparência de sua atuação".
O texto foi encaminhado no fim de junho para o corregedor. Segundo o documento, há indícios para que ele autorize a abertura de uma sindicância administrativa contra a delegada por descumprimento dos deveres funcionais.
Durante o interrogatório, em maio, Gonçalves afirmou que "não teve segurança jurídica para decretar a prisão em flagrante delito do policial militar envolvido". Ela disse que teve como base para essa decisão o depoimento de um dos agentes envolvidos (que não é o que atirou) e uma imagem de baixa nitidez do episódio.
O soldado que efetuou o tiro foi identificado como Guilherme Augusto Macedo. Ele não foi ouvido no dia do crime porque tinha direito a prestar depoimento apenas na presença de um advogado.
Procurada, a delegada disse que foi a responsável por abrir a investigação da morte de Acosta. "Eu não vejo motivo [para abertura da sindicância]. Eu não sei porque instauraram a apuração preliminar. Eu instaurei o inquérito. A convicção foi minha. Tecnicamente eu achei que não era caso de prisão em flagrante. Eu estou com minha consciência tranquila como delegada", afirmou.
Nenhum dos dois policiais militares envolvidos no caso foi preso. A Polícia Civil e o Ministério Público chegaram a pedir a prisão preventiva de Macedo no início de 2025, mas uma juíza não encontrou fundamentos e negou.
Insatisfeitos, os pais de Acosta recorreram ao Tribunal de Justiça, que seguiu a decisão de primeira instância e manteve os policiais livres. Eles estão no serviço administrativo.
Uma primeira audiência de instrução do caso está prevista para ocorrer na próxima quinta-feira (10).
A investigação contra Gonçalves começou após denúncia dos pais do estudante. Eles afirmaram que a delegada poderia ter sido omissa ao não analisar as câmeras que registraram a morte.
Para eles, ela deveria ter prendido os policiais militares em flagrante por homicídio a partir das imagens. Acosta estava desarmado e sem camiseta quando foi baleado, mostra o vídeo.
Na mesma denúncia, o pai do estudante, o médico Júlio César Acosta Navarro, afirma ter sido agredido psicologicamente pelos policiais e que "a vítima foi negligenciada pelo coronel de polícia, pela delegada, pela juíza, pelo desembargador, pelo secretário da Segurança Pública e pelo governador".
Em depoimento à Corregedoria, Gonçalves disse ter visto as imagens pelo celular de um investigador. "E a gravação estava pequena na tela, com péssima resolução, escura e pouco nítida, em razão de ter sido transferida pelo WhatsApp".
Segundo ela, só foi possível ver Acosta muito agitado e resistindo à abordagem policial. "Como não havia clareza nas imagens, não foi possível averiguar os detalhes da situação",afirmou.
A delegada disse ainda que solicitou imagens do caso para responsáveis por um bar que ficava próximo do local do crime, mas que o pedido não foi atendido. Depois disso, afirmou que retornou para o DHPP para ouvir os envolvidos.
O relatório da Corregedoria afirma que a resposta da delegada foi incoerente. Segundo o texto, se havia dificuldade em assistir a imagem pelo celular, ela deveria ter visto o vídeo no computador da delegacia. O texto afirma ainda que no mesmo dia do crime (20 de novembro), Gonçalves incluiu no sistema um vídeos com imagens nítidas do episódio.
O documento afirma que a delegada adotou uma postura "açodada, apressada, tendo por base principalmente um suposto vídeo de baixa qualidade por ela visualizado no aparelho celular de um policial de sua equipe, o qual teria sido perdido, e sequer juntado aos autos para corroborar sua alegação".
Gonçalves considera que sua decisão foi correta e que a nitidez das imagens não teria feito diferença. "Não lavraria o flagrante, pois tratou-se de único disparo e em região não letal."
Para a delegada, mesmo que tivesse feito a prisão em flagrante, "provavelmente o Judiciário relaxaria a prisão por ausência dos requisitos legais, já que nem mesmo decretaram a prisão temporária ou preventiva (sem prazo)", diz trecho das declarações à Corregedoria.
Além do relatório sobre a delegada, um IPM (Inquérito Policial Militar) sobre a atuação dos agentes também já foi concluído. O documento diz que o soldado agiu com força desproporcional no caso e os dois agentes deveriam ter acionado o sinal luminoso da viatura.
Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) disse que a Corregedoria da Polícia Civil apura os fatos e atua para esclarecer todas as circunstâncias relacionadas ao trabalho investigativo conduzido pela autoridade policial. "As forças de segurança ressaltam que não compactuam com condutas incompatíveis com a função policial e todos os desvios são punidos com o rigor da lei".