No começo dos anos 1960, uma sobrevivente de câncer de mama ligou para o jornal New York Times para publicar o anúncio de um grupo de apoio a mulheres com a mesma doença. "Desculpe, sra. Rosenow, mas o Times não publica a palavra mama, nem a palavra câncer, em suas páginas".
65 anos depois, isso mudou completamente. Só eu já devo ter escrito a palavra câncer na Folha de São Paulo mais de uma centena de vezes.
Ainda assim, tenho amigos e familiares que morreram sem dizer que estavam com câncer. Tenho amigos e familiares que se curaram e, até hoje, nunca falaram sobre o assunto. E sempre encontro quem não aceite pronunciar o nome "daquela doença".
Acho difícil saber qual foi o maior legado de Preta Gil. A beleza do seu velório me lembrou o memorial de Michael Jackson, quando eu pensava: "imagina ser tão amado assim". Preta Gil é muito amada.
A cada mensagem sobre ela que leio, admiro mais a sua existência. Pedro Tourinho disse que "Preta era sempre a primeira a acreditar na gente, a primeira a acreditar nas pessoas". Malu Barbosa escreveu que, durante 20 anos, viu Preta transformar vidas e estender a mão quando ninguém mais estendia.
Gostaria de ser essa amiga para meus amigos. Gostaria de ser essa pessoa no mundo.
Preta tem um histórico de combate contra injustiças e defesa de pessoas em situações diversas de vulnerabilidade social. É difícil mensurar a mudança coletiva que ela proporcionou. E é impossível saber o quanto ela transformou vidas, individualmente.
Preta Gil fez o que poucas pessoas fazem. Ela falou da sua doença abertamente, falou sobre uma das coisas mais íntimas para cada um de nós, que é de que forma funciona o nosso intestino. Ela não teve vergonha ou qualquer que seja a melhor palavra para definir o que muitas vezes nos constrange e, com isso, não faço ideia de quantas milhares de vida ela vai salvar. Pessoas que vão descobrir cedo que precisam fazer um exame ou uma cirurgia e, assim, impedir de nascer, ou curar uma doença apenas porque precocemente diagnosticada.
Preta não se curou, mas a sua existência e a forma altiva como lidou com ela tem curado e seguirá curando pessoas tocadas por suas palavras que ela nunca conheceu. E foram muitas.
* Falei sobre câncer, prognóstico, esperança e Preta Gil aqui
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