Quando se trata de relacionamentos bem-sucedidos, não há nada como o longo casamento entre percevejos e humanos, mesmo que só uma das partes pareça insistir nele.
A espécie (Cimex lectularius) que se alimenta do nosso sangue é monogâmica com os humanos; ela não se junta a nenhuma outra espécie. O inseto tampouco transmite doenças, nem causa danos além da leve irritação onde sua boca em forma de agulha perfura a pele.
Segundo um estudo publicado no fim de maio na revista Biology Letters, esse longo relacionamento começou há cerca de 245 mil anos. O inseto desviou-se dos morcegos cavernícolas que haviam sido sua única fonte de sustento e descobriu o sangue de um neandertal, ou de algum outro humano primitivo, que havia se deitado na mesma caverna.
A partir desse momento, segundo cientistas, os percevejos se dividiram em duas espécies: uma que vivia do sangue de morcegos e outra que se alimentava de humanos.
"Você não vai encontrar um percevejo no seu jardim", disse o professor Warren Booth, da Virginia Tech (EUA), um dos autores do estudo. "Eles dependem completamente de nós para se espalhar."
Após um período de declínio, a população de percevejos dependente dos humanos começou a explodir há cerca de 13 mil anos, estimou a nova pesquisa. Esse aumento coincidiu com a mudança da humanidade para uma vida sedentária na Europa e no Oriente Médio.
"Quando os humanos decidiram que gostavam de estar perto de outros humanos e começaram a construir cidades, a população de percevejos disparou", afirmou a pesquisadora de entomologia Lindsay Miles, da Virginia Tech, também autora do estudo. "Para os percevejos, foi um ótimo negócio."
As descobertas se basearam na análise do DNA do percevejo associado aos humanos.
O estudo sugere que a associação entre humanos e percevejos é milhares de anos mais antiga do que com a baratinha-alemã ou ratos, segundo Brian Verrelli, cientista de dados biológicos da Universidade Commonwealth da Virgínia (EUA) que estuda como a urbanização humana afeta o mundo natural.
"Essas descobertas nos dizem algo sobre quão longo e forte tem sido nosso casamento com o percevejo", disse Verrelli, que também é um dos autores do estudo. "Ele poderia ter abandonado os humanos a qualquer momento, mas permaneceu conosco durante toda a jornada."
Klaus Reinhardt, um pesquisador de percevejos da Universidade de Tuebingen na Alemanha que não esteve envolvido no estudo, afirmou ter ficado fascinado com o que o trabalho revelou sobre o gargalo genético que os percevejos enfrentaram há 40 mil anos, quando os primeiros humanos trocaram as cavernas pela vida nômade e as populações do inseto diminuíram.
Esse gargalo poderia ter levado à endogamia e à perda de diversidade genética, mas não parece ter tido um impacto negativo nos percevejos. "Como se vê, eles se dão muito bem com a endogamia", disse Reinhardt.
Há muitas coisas para admirar no percevejo. Ele pode sobreviver mais de um ano sem se alimentar. Injeta um anestésico e anticoagulante para adormecer a pele humana enquanto se alimenta. E depois há seu modo único de reprodução, que envolve o macho perfurando o abdômen da fêmea para inserir esperma diretamente na cavidade corporal dela.
Para Booth, da Virginia Tech, o superpoder mais notável do inseto é sua capacidade de superar os pesticidas usados contra ele. Isso ocorre por meio de rápidas mutações genéticas provocadas pela exposição a produtos químicos tóxicos, mas também pela produção de enzimas que podem decompor compostos letais dentro do corpo do inseto antes que causem danos.
Foi isso que aconteceu na década de 1940, quando o uso generalizado do pesticida DDT resultou em uma enorme redução nas populações de percevejos nos Estados Unidos e em outros países industrializados. Na época, alguns cientistas esperavam que os humanos tivessem finalmente alcançado a separação dos percevejos que há muito buscavam.
Mas em poucos anos, segundo Booth, os insetos encontraram uma maneira de superar o DDT. Nas décadas seguintes, suas populações continuaram a aumentar, graças à globalização, ao surgimento de viagens aéreas baratas e à urbanização acelerada.
Os percevejos são excelentes em reprodução. Uma única fêmea grávida escondida em uma mala ou agarrada a uma calça pode produzir 30 mil descendentes em seis meses, todos geneticamente relacionados.
"Em dois anos, demonstramos que um percevejo pode infestar vários apartamentos em um edifício de múltiplos andares", disse Booth.
Em suas duas décadas estudando percevejos, o professor afirmou que nunca teve uma infestação em casa. O laboratório segue protocolos rigorosos e, quando viaja, ele costumava verificar atrás das cabeceiras e embaixo dos colchões dos hotéis. "Não faço mais isso, porque sempre coloco minha mala no suporte metálico e, quando chego em casa, tudo vai para a máquina de lavar."