Um aperto de mãos em órbita transformou a corrida espacial há 50 anos

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A cerca de 225 quilômetros acima da França, astronautas americanos abriram a escotilha de uma nave espacial e se encontraram com cosmonautas da União Soviética.

"Prazer em vê-lo", disse Alexei Leonov em inglês com sotaque para Thomas Stafford, da Nasa.

"Ah, olá, muito prazer em vê-lo", respondeu Stafford em seu próprio russo com sotaque.

Os dois então apertaram as mãos.

Hoje, astronautas russos e americanos compartilham rotineiramente viagens à Estação Espacial Internacional (ISS), independentemente do conflito geopolítico que divide suas nações. Mas em 1975 ver dois homens de nações rivais se cumprimentarem em órbita através de uma ponte entre suas naves acopladas foi um gesto poderoso e sem precedentes testemunhado por milhões de pessoas no mundo que girava abaixo.

O aperto de mãos, em 17 de julho daquele ano, definiu o Projeto de Teste Apollo-Soyuz, o primeiro voo espacial humano internacional. Esse símbolo de parceria entre competidores permanece um legado duradouro da missão.

"É incrível pensar que dois países diametralmente opostos, com sistemas e culturas diferentes, essencialmente prontos para destruir um ao outro, possam de alguma forma cooperar e realizar uma missão altamente técnica e complicada", disse Asif Siddiqi, professor de história na Universidade Fordhamm (EUA) e especialista em história espacial russa.

Uma geração após o aperto de mãos orbital, os soviéticos e os EUA se uniriam para construir a ISS. Os dias do envelhecido posto espacial são finitos, e não há planos para que russos e americanos mantenham sua cooperação em voos espaciais tripulados. Os EUA também se veem competindo com a China pela dominância no espaço. Mas especialistas como Siddiqi veem motivos para esperança no 50º aniversário da missão Apollo-Soyuz.

"Sempre que as pessoas me dizem que isso nunca aconteceria hoje, eu penso: bem, foi isso que as pessoas disseram no final dos anos 1960", afirmou Siddiqi.

Desconfiança e amizade

No início da era espacial, enquanto a América corria para alcançar a União Soviética, uma parceria no espaço havia sido proposta. Em setembro de 1963, discursando perante a Assembleia-Geral das ONU dois meses antes de seu assassinato, o presidente John F. Kennedy sugeriu uma missão conjunta à Lua.

"Por que, portanto, o primeiro voo do homem à Lua deveria ser uma questão de competição nacional?", perguntou Kennedy. "Certamente deveríamos explorar se os cientistas e astronautas de nossos dois países —na verdade, de todo o mundo— não poderiam trabalhar juntos na conquista do espaço."

Esse sonho foi adiado, e os EUA ultrapassariam os soviéticos na corrida lunar com a bem-sucedida missão Apollo 11 em 1969.

Curiosamente, o pouso americano na Lua pode ter criado uma nova janela para cooperação. O apoio público às missões Apollo diminuiu, e o programa foi encerrado prematuramente após a missão Apollo 17 em 1972. Isso deixou o programa espacial dos EUA sem um objetivo imediato.

Paralelamente, a reputação de ambas as nações foi manchada no exterior, a União Soviética pela invasão da Tchecoslováquia, e os Estados Unidos pelo seu envolvimento na Guerra do Vietnã. Isso criou uma motivação adicional para reafirmar conjuntamente o status de cada país no topo da hierarquia global.

"Eles precisavam se reerguer e cooperar entre si para mostrar ao resto do mundo: somos tão superiores e tão grandiosos como sempre fomos", afirmou Olga Krasnyak, professora associada de relações internacionais da Universidade Nacional de Pesquisa Escola Superior de Economia em Moscou.

Essa oportunidade mutuamente reconhecida para prestígio levou a conversas preliminares entre representantes dos países em 1970. Desde o início, ficou claro que a missão enfrentava imensos obstáculos diplomáticos, técnicos e culturais. Não havia um caminho suave para o lançamento.

"Como nos comunicamos com pessoas que falam línguas completamente diferentes e que pensam de forma diferente sobre engenharia e resolução de problemas?", disse Brian C. Odom, historiador-chefe da Nasa. "No papel, parece fácil. Vocês lançam, nós lançamos, nos encontramos, apertamos as mãos e seguimos nossos caminhos separados. Mas fazer isso acontecer, sem que cinco pessoas morram em órbita, é incrivelmente difícil."

Ambos os lados suspeitavam da segurança das naves espaciais principais um do outro. Provocações sobre a superioridade da nave de um lado sobre o outro irritavam os envolvidos na missão. Os americanos estavam acostumados a um sistema de orientação muito mais manual com a Apollo, enquanto a Soyuz era amplamente automática e controlada a partir do solo.

Os veículos até mesmo usavam atmosferas diferentes em seus interiores. Essa discrepância foi resolvida pelo desenvolvimento de um módulo de acoplamento com escotilhas herméticas em cada extremidade.

Para essa missão em particular, a Soyuz foi mantida a uma pressão mais baixa que o normal para facilitar as transições entre veículos.

Enquanto os responsáveis pelo planejamento da missão lidavam com essas dificuldades, uma amizade profunda e duradoura surgiu entre os astronautas e cosmonautas. O lado Apollo, liderado por Stafford, também incluía Donald "Deke" Slayton e Vance Brand. Leonov voou no lado Soyuz com Valery Kubasov.

As tripulações aprenderam as línguas umas das outras. Treinaram juntas nos EUA e na Rússia. Durante os encontros, caçavam, bebiam e festejavam juntos.

Os dois comandantes permaneceram particularmente próximos pelo resto de suas vidas: Leonov ajudou Stafford a adotar duas crianças da Rússia, e Stafford fez um elogio fúnebre em russo no funeral de Leonov em 2019.

Mosquito clandestino

Contra todas as probabilidades, as tripulações chegaram às suas plataformas de lançamento em 1975. Em 15 de julho, a tripulação da Soyuz decolou do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, seguida pela tripulação da Apollo, lançada cerca de sete horas depois do Centro Espacial Kennedy na Flórida.

A preparação para a acoplagem foi relativamente tranquila, embora a tripulação da Apollo tenha descoberto que um mosquito havia embarcado clandestinamente com eles, e Stafford brincou que um derramamento de suco havia transformado a Apollo em uma "nave espacial cor de morango".

As naves espaciais se acoplaram com sucesso em 17 de julho, sobrevoando o Atlântico. Horas depois, o histórico aperto de mãos foi transmitido ao vivo para milhões de espectadores.

A tripulação passou os dois dias seguintes trocando presentes, jantando juntos, ouvindo música e realizando experimentos. As naves se separaram em 19 de julho.

Espinha dorsal da ISS

Após o colapso da União Soviética, americanos e russos uniram forças novamente no espaço, primeiro a bordo da estação espacial Mir no início dos anos 1990. A parceria americano-russa é agora a espinha dorsal da ISS, que permanece continuamente habitada desde o ano 2000.

Essa base está em seus anos finais. A Rússia está discutindo a construção de sua própria estação espacial sucessora separada, e os EUA estão fomentando postos comerciais em órbita —esforços que podem fazer o Apollo-Soyuz parecer uma memória distante.

Mas Krasnyak, a especialista russa em relações internacionais, disse que o legado dessa missão e a exploração espacial cooperativa em geral continuam importantes para os russos 50 anos depois.

Siddiqi, o historiador do programa espacial russo, vê a missão EUA-Soviética de 1975 como precursora das complexas parcerias internacionais que caracterizam os voos espaciais modernos, mesmo que seja de uma forma indireta. "Foi um pouco confuso, mas o caminho leva de volta ao Apollo-Soyuz."

Odom, historiador-chefe da Nasa, não vê o Apollo-Soyuz como um precursor direto da ISS, ou de outras colaborações espaciais subsequentes. "As pessoas que estiveram envolvidas saíram disso pensando sobre o que a cooperação realmente poderia significar", disse Odom. "Se podemos cooperar com a União Soviética dessa maneira, podemos cooperar com qualquer um."

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