As sementes sob cerco nas ilhas no céu

16 hours ago 1

O que vou escrever agora talvez soe como poesia barata, mas é puramente factual: montanhas são, de certa maneira, "ilhas no céu". Mesmo num país pouquíssimo montanhoso como o nosso, uma elevação de uns 1.000 metros pode ser suficiente para criar parâmetros muito diferentes de temperatura, umidade e solo, de modo que um pequeno mundo elevado, bem diferente do que existe nas planícies lá embaixo, acaba emergindo.

Quem já visitou a Chapada Diamantina teve um vislumbre da forma mais típica dessas "ilhas no céu" no interior brasileiro. São os campos rupestres, um ambiente único, de vegetação baixinha agarrada às rochas dos morros e repleta do que os cientistas chamam de endemismos: espécies que só existem ali, e em nenhum outro lugar. O problema é que, num mundo cada vez mais sacudido pela crise do clima (e pela ação humana de modo mais amplo) os parâmetros que forjaram esse microcosmo estão deixando rapidamente de ser o que eram.

Eis, em resumo, o cenário examinado por um estudo que saiu faz pouco tempo, assinado por pesquisadores do Brasil, da Argentina e da Espanha, na revista científica Journal of Mountain Science. Vale a pena conhecer alguns de seus resultados porque eles saem das generalidades das mudanças climáticas e, com os pés no chão, mostram de forma detalhada e específica o que acontece com a biodiversidade nesses cenários.

"Pés no chão" aqui não é figura de linguagem. O trabalho coordenado por Walisson Kenedy-Siqueira, da Universidade Estadual de Montes Claros (MG), analisou uma das funções mais básicas da manutenção de um ecossistema, a germinação das sementes, comparando dados de estudos anteriores sobre 1)espécies endêmicas (as exclusivas dos campos rupestres, como vimos); 2)nativas, mas não endêmicas; 3)e exóticas.

É claro que cada espécie vegetal tem suas próprias necessidades no que diz respeito ao germinar das sementes. Há as que precisam de um pouco mais ou um pouco menos de calor, chuva etc. nos meses certos do ano. E há ainda outro detalhe intrigante: para certas sementes, ficar completamente debaixo da terra não é bom. Algumas sementes são fotoblásticas, ou seja, precisam da ação da luz para que a plantinha comece a se desenvolver.

Ora, tudo indica que os campos rupestres estão ficando significativamente mais quentes e sendo mais afetados por eventos de calor extremo, como temos visto no Brasil (e no mundo) nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, a mineração, a pavimentação de estradas e o avanço agrícola tendem a carregar espécies invasoras para os ambientes com plantas endêmicas e a recobrir as sementes destas últimas que precisam de luz para germinar.

O resultado disso? O novo estudo indica que, em temperaturas mais altas, não é que as endêmicas dos campos rupestres não consigam germinar —as invasoras é que germinam com frequência 55% maior. Ao mesmo tempo, a diminuição do acesso à luz pode diminuir em até 90% a germinação das plantas típicas daquele ambiente, enquanto as invasoras se dão bem.

É diante de coisas desse tipo que estamos quando falamos de mudanças ambientais: das bases de um pequeno mundo sendo desmontadas aos pouquinhos, num efeito-dominó cujas consequências não temos como prever —e que não deveríamos impulsionar de modo algum.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Read Entire Article