A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (16), o projeto de lei que flexibiliza e simplifica o licenciamento, sob omissão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mesmo diante de apelos da ala ambiental, liderada pela ministra Marina Silva, para que a proposta fosse rejeitada.
A matéria teve 267 votos a favor e 116 contra, enquanto a liderança do governo liberou sua bancada para se posicionar como quisesse. O governo, o PT e o PSOL orientaram contra a proposta. O texto agora segue para ser sancionado ou vetado por Lula.
Deputados já preveem, porém, que o tema deve ser mais um a parar no Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que durante a sua tramitação diversos parlamentares apontaram possíveis inconstitucionalidades.
O projeto foi o último a ser analisado antes do recesso legislativo e a discussão entrou madrugada adentro. A Casa já estava esvaziada, porque o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), liberou os deputados para votarem remotamente nesta semana.
A votação ocorre num dia de derrotas para o Congresso, com o veto do governo ao aumento do número de deputados e a retomada parcial do decreto de Lula sobre o IOF no STF.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), elogiou o diálogo com o relator do texto, Zé Vitor (PL-MG), mas disse que faltaram alguns pontos a serem contemplados e orientou voto contrário à matéria. Ele também disse que trabalhou para o adiamento da votação, sem sucesso,
"Faltaram alguns pontos essenciais na negociação politica, como descentralização, enfim. Lutei muito para que fizéssemos diálogo e debate, e fosse para primeira quinzena de agosto. (...) Não foi possível, também isso não entendo como sendo o fim do mundo. Parlamento é democrático", disse Guimarães.
"Vamos encaminhar voto contrário ao relatório. Fazemos isso no maior grau de respeito", completou.
Durante toda a tramitação da proposta, o governo se esquivou de uma posição clara. Na votação no Senado, liberou a bancada, e grande parte da base foi favorável ao texto.
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Foi criado um grupo para discutir o tema, mas as posições de Marina Silva contra o projeto não foram endossadas, diante do apoio de outros ministros, como o próprio chefe da Casa Civil, Rui Costa, além de Carlos Fávaro (Agricultura), Alexandre Silveira (Portos e Aeroportos) e Renan Filho (Transportes).
A votação do texto ocorreu sob protestos dos partidos de esquerda e tentativa de obstrução para que não ocorresse na madrugada desta quinta.
"Ele divide inclusive o setor produtivo, que cada vez mais está se manifestando sobre a possibilidade de judicialização que este projeto pode causar, porque ele tem várias inconstitucionalidades", disse a líder do Psol, Talíria Petrone (Psol-RJ).
A sigla avalia acionar o Supremo. Críticos apelidaram o projeto de "mãe de todas as boiadas" e "PL da Devastação".
"Apresentamos um conjunto de propostas que não foram acatadas [durante a tramitação do projeto]. Queremos o necessário tempo para construir alternativas, as alternativas não se constroem de uma hora para outra", disse Marina Silva, antes da votação.
A ministra também disse que a aprovação do projeto neste momento é ainda mais grave, por ocorrer a quatro meses da COP30, conferência de clima da ONU (Nações Unidas), em Belém (PA).
Na Câmara, os deputados mantiveram no texto todos os pontos criticados por ambientalistas: a LAE (Licença Ambiental Especial), dispositivo revelado pela Folha e apadrinhado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
Esse mecanismo permite ao Executivo, por motivos políticos, escolher empreendimentos classificados como estratégicos, que passam por análise mais simples e rápida, de etapa única e com prazo de um ano, independentemente do seu potencial impacto ambiental e do uso de recursos naturais.
Como mostrou a Folha, este último dispositivo pode impulsionar, por exemplo, a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, empreendimento criticado por Marina, mas defendido pelo senador e inclusive por parte do governo federal, inclusive o presidente Lula, além de ministérios Minas e Energia e a Casa Civil.
Também foi mantido no texto a LAC (Licença por Adesão e Compromisso), autorização concedida sem análise individual desde que o empreendedor se comprometa a aderir a condições pré-estabelecidas —e que vale para casos de pequeno e médio porte.
O resultado até aqui foi que por um lado, há uma tentativa da direção da Casa de acelerar todas as votações, ao mesmo tempo que o plenário fica vazio e blocos tentam obstruir o andamento da pauta em razão do pouco debate.
Além disso, a sessão desta quarta foi extremamente tumultuada pela reação dos parlamentares à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que derrubou parcialmente o projeto do Congresso que revogou o aumento no IOF (Imposto sobre Operação Financeira).
Críticos do projeto do licenciamento ambiental afirmam que ela é flexível demais e que o melhor seria restringí-la a casos de menor impacto.
A necessidade da atualização do licenciamento é consenso em praticamente todos os setores, mas há divergências diametrais em como fazê-lo.
O atual projeto é defendido pelo agronegócio e parte da indústria, sob argumento de aumentar a segurança jurídica, mas muito criticado por ambientalistas. Este segundo grupo afirma que o texto é flexível demais e, ao dar mais autonomia a estados e municípios para emissão de licenças, pode gerar disputas entre diversos órgãos ambientais.
"Se cada estado determinar o que é risco ambiental de forma diferente na sua unidade da federação, isso vai criar um processo de questionamento jurídico, de judicialização, generalizado. E o rio não muda porque está no Espirito Santo ou em Minas Gerais, os cuidados ambientas tem que continuar sendo os mesmos", disse Marina, antes da votação.
Sua lógica é unificar a legislação para as licenças, simplificando processos e aumentando a punição a quem descumprir as regras, ao mesmo tempo que esvazia mecanismos consultivos a comunidades afetadas e gestores de áreas de preservação, e o poder do Conselho Nacional de Meio Ambiente.
O texto foi aprovado na Câmara pela primeira vez em 2021 e, no Senado, passou após diversas modificações, inclusive a inclusão da mineração dentro do escopo dessa nova regra geral de licenciamento.
No retorno à Casa original, houve divergência sobre o tema inicialmente, mas ao final, o setor foi mantido na proposta.
Além de Foz do Amazonas, o projeto também beneficia ampliação de rodovias, o que pode impulsionar o desmatamento, já que estradas são vetores de destruições de florestas. Também impulsiona obras do Novo PAC e a mineração.
Também revogam trechos da Lei da Mata Atlântica e restringe quais áreas protegidas que devem ser consideradas na análise ambiental apenas às Terras Indígenas homologadas (fase final da demarcação) e Territórios Quilombolas titulados (oficializados), excluindo processos de regularização em andamento.
Também é criada uma lista de setores isentas do licenciamento, por exemplo diversas áreas do agronegócio ou o saneamento básico —neste último ponto, a Câmara acrescentou a definição de que essa benefício vale até que o acesso ao serviço seja democratizado no Brasil.