Este blog será descontinuado

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Eu sugeri de transformar o podcast Todas as Letras, que publiquei pela recém-inaugurada editoria de podcasts da Folha, em blog. Em 2019, produzi 10 episódios do programa, fiz amigos, fontes, conheci gente muito admirável, toquei em temas delicados e muito importantes para a comunidade LGBT+. O último episódio, com plateia, colocou mais de 100 pessoas no auditório da sede da Folha, em São Paulo. Me orgulho de ter levado Luisa Marilac, uma travesti, como entrevistada nessa ocasião. Uma travesti e escritora. Senti que tinha encontrado minha turma num período muito turbulento na minha vida pessoal.

Meu editor na época apostou na ideia de migrar do áudio para o texto. E eu nunca me senti tão sozinho, profissionalmente falando. Me lembro do medo diante dos primeiros posts. Aos 26 anos de idade, tinha alguma experiência profissional, toda ela baseada na produção de áudio, e eu achava que conseguia guiar o ouvinte com o meu tom de voz, com as pausas, com as trilhas.

No texto seria diferente. E foi mesmo. Cada um lê as palavras no tom que quer. Texto tem título, e muita gente só lê o título e opina a partir do que viu numa única linha. Tem quem queira ler mais, é verdade, mas nem todo mundo assina o jornal. A partir de leituras e não leituras, vivi dias de muita angústia neste espaço. Escrevi textos péssimos, outros com o fígado, alguns com o coração. Tive postagens com muitos comentários, alguns de revirar o estômago. Recebi críticas de gente querida. Fui cancelado. No Twitter, caí em redes de ódio, ridicularizaram minha aparência, assediaram minha família no Instagram. Uma loucura.

Em 2019, quando essa jornada começou, eu tinha acabado de falar sobre minha sexualidade com a minha família. Estava em luto porque havia morrido aquela imagem de heterossexualidade que eu lutei uma adolescência inteira para manter. Estava em busca de mim mesmo ao mesmo tempo em que tinha medo de me expor. Curiosamente, me escondi de forma pública no maior jornal do país.

Usei meu trabalho como jornalista para elaborar minha vida a partir da minha saída do armário. Eu sabia que, quando me colocava nos áudios e nos textos, falava também de muita gente. Um livro recente que li diz que "não somos iguais, mas tem coisa que não varia". Usei a ideia do trabalho, vista como nobre, o ápice da dignidade e da honra, para tratar do que muita gente entende como desonras e indignidades de uma existência que não é heterossexual.

Hoje, perto de fazer 32 anos, me sinto um pouco melhor na minha própria pele. Vivo uma vida digna. E de novo preciso sair à procura da minha turma. Por decisão do jornal, o blog será encerrado. Agradeço à Secretaria de Redação pelo espaço até aqui e ao Rodrigo Vizeu pela aposta, no meu começo na Redação da Barão de Limeira.

Para finalizar este dramalhão, nada melhor do que Almodóvar. Me vem à mente o monólogo de Agrado, personagem vivido por Antonia San Juan no filme "Tudo Sobre Minha Mãe". Diante de uma plateia ela diz ter esse nome porque passou a vida toda tentando fazer a vida dos outros mais agradável. Mas, além de agradável, ela é muito autêntica. E detalha ao público todos os procedimentos pelos quais passou para sua adequação de gênero. Todos muito caros. A travesti finaliza dizendo que não se deve ser avarenta na busca pela autenticidade. "Ficamos mais autênticos quanto mais parecemos com aquilo que sonhamos que somos", ela diz.

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