Grupo sai de SP e caminha 970 km em 77 dias para consolidar trilha Transmantiqueira

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Terminou na última quinta-feira (10) a Expedição Transmantiqueira, que percorreu, ao longo de 77 dias, 970 quilômetros nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais por trilhas, estradas e servidões da serra da Mantiqueira. A viagem começou em 25 de abril.

A proposta era conferir e mapear uma das mais cobiçadas trilhas de longo curso do país, com potencial de atrair pessoas de todo o mundo, assim como o Caminho de Santiago (na Espanha), ou a trilha dos Apalaches (EUA), consolidando o Brasil no mapa das grandes caminhadas do planeta –e abrindo um novo potencial turístico e econômico ao longo de toda a região.

Idealizada pelo coronel aposentado e ex-chefe do Parque Nacional de Itatiaia Luiz Aragão, a expedição teve seu ponto inicial no Horto Florestal, na zona norte da capital paulista, e se encerrou na Janela do Céu, no Parque Estadual de Ibitipoca, em Minas Gerais.

Ainda às voltas com um resfriado conquistado nas jornadas em que as temperaturas à noite beiravam o congelamento, ele falou com a reportagem.

Ele disse que inicialmente 309 voluntários se inscreveram para participar do trajeto, que foi dividido em 19 setores. Mas no fim o número de participantes foi bem menor —além do próprio Aragão, a maior parte da trilha foi feita por mais duas pessoas, Ranier Barata (que fez todo o percurso) e Dorval Miele (que fez a maior parte). "A visão romântica de que teríamos a adesão de um grande número de voluntários à medida que passássemos pelos diferentes setores da trilha se desfez rapidamente", afirmou o idealizador do projeto.

Aragão também disse que durante o trajeto percebeu que se o país não criar logo a trilha de longo curso, a ocupação humana vai inviabilizar sua consolidação. "Se a gente não for rápido, vão sobrar somente as estradas, porque, agora mesmo, enquanto falamos, alguém está comprando um terreno por onde passa a trilha e fechando o acesso."

O que leva alguém a sair andando por quase 1.000 quilômetros sem saber o que vai encontrar pela frente?
Acho que o meu lado militar acaba encarando algumas coisas na vida como uma missão, desde namorar alguém até caminhar 1.000 quilômetros... Mas, de maneira geral, faço isso pelo bem das trilhas de longo curso do Brasil, porque alguém tem que fazer e encaro isso como missão de vida. Principalmente quando é para ajudar quem vem depois, seja meu filho que fez 18 anos enquanto eu estava caminhando, seja quem ainda vai nascer e que venha a gostar de caminhar em trilhas longas um dia.

E que balanço vocês fazem da expedição?
A serra da Mantiqueira está muito glamourizada. O homem está mudando bastante a serra. Enquanto a gente está conversando, é uma cerca subindo, um muro sendo levantado, uma propriedade sendo comprada e um trecho da trilha sendo desviado, jogado para uma estrada.

Na minha opinião, o tempo urge. O projeto tem sete anos e não decolou. Agora tem que decolar, porque se não decolar, a gente vai virar romeiro. E nada contra o romeiro, mas a nossa é outra proposta que não é a peregrinação até um ponto religioso. O trilheiro é, entre aspas, um romeiro da aventura, sua fé é na aventura.

Vocês tiveram algum problema em relação ao traçado inicialmente previsto?
Perrengue físico, basicamente foi um dia de chuva forte no parque da serra do Papagaio, e o susto de um enxame de marimbondos que, felizmente, mudou de trajeto antes de chegar até nós. Já em relação ao traçado, houve vários casos que ainda vamos detalhar na hora de consolidar a rota definitiva.

Agora, o que encontramos e que não estava previsto foram desde porteiras trancadas no meio de uma servidão que há 200 anos era usada pelos moradores e foi trancada pelo proprietário que inventou um spa, contrariando o Ministério Público, até o êxodo rural muito grande, principalmente na região de Minas Gerais por onde passa a trilha. Lá vimos várias casas em ruínas e muitas vezes não achávamos água onde inicialmente havíamos previsto encontrar para nos abastecermos.

Vimos muito gado, muita terra, mas poucas pessoas, e os locais nos contavam que os filhos haviam ido estudar fora e não voltavam. Se houvesse uma viabilidade econômica para ficarem, como a exploração turística da trilha, oferecendo pouso, suprimentos etc, seria um motivo para voltarem, porque trilhas são importantes alternativas para gerar emprego e renda.

O que mais vocês constataram fora da previsão inicial?
No ano passado, quando percorri a Transespinhaço [que sai de Ouro Branco, no sul de Minas Gerais, e segue até a divisa com a Bahia], fui sozinho, uma viagem selvagem em que não via ninguém, nem esperava ver. Mas desta vez imaginei que a rota da Transmantiqueira estaria cheia de gente cruzando conosco, afinal é temporada de montanha, são estados densamente povoados.

Só que mal víamos viva alma, encontramos um guia com duas turistas na serra Fina, ninguém nos principais pontos icônicos da jornada, como o pico dos Marins, o pico do Papagaio, zero pessoas. Quando você cruza pequenas trilhas de 10, 12 quilômetros ainda encontra gente, mas na maior parte do tempo éramos só nós. O brasileiro não tem cultura de caminhar.

Quais são os próximos planos?
Agora vamos partir para o refinamento do traçado, da logística, conversar com os secretários de Turismo, e criar grupos de trabalho sob as IGRs [Instâncias de Governança Regional]. Vamos reunir nesses grupos todo o trade turístico, os atrativos, restaurantes, pousadas, porque a trilha é um produto turístico e queremos que a Embratur reconheça isso como algo a ser vendido no mercado internacional.

No traçado que vamos atualizar com os dados da expedição vamos sinalizar os diferentes trechos que as pessoas vão poder fazer, marcando em verde os que são acessíveis a iniciantes, em amarelo os trechos para quem já acampou, tem alguma experiência, mas quer se aventurar mais, e em vermelho os trajetos que para os mais experientes.

Também vão estar sinalizadas no site que vamos desenvolver com os detalhes da trilha as opções de camping ou camas em hostels, pousadas, qualquer coisa que tenha um colchão, e os serviços disponíveis no local ou nas proximidades, como bancos, farmácias, UBS, internet.

Então, com isso tudo, o caminhante que quer aproveitar um fim de semana, um feriadão, ou mesmo as férias, vai poder escolher o trajeto que melhor se adapta a sua capacidade, fazendo com que qualquer pessoa tenha acesso a algum trecho.

Fora isso, tenho um projeto pessoal, que é criar uma grande trilha brasileira, que unirá a Transespinhaço e a Transmantiqueira, porque faltam uns 300 quilômetros para que elas se interliguem e, aí, teríamos uma rota de dois mil quilômetros, no nível das grandes rotas mundiais de longo curso.

E o que diria a quem pretende seguir as pegadas da Transmantiqueira?
Eu recomendaria cuidar do físico —joelhos, músculos, articulações, e principalmente os pés—, ter um bom equipamento e saber usar, planejar os detalhes com mapas, navegação, e, o mais importante na minha opinião, fortalecer o lado mental, porque não adianta nada ser um super homem e na hora H você desmoronar.

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