Mortes: Presa na ditadura, liderou a juventude católica no Brasil

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Em maio de 1972, Maria Angelina de Oliveira escreveu uma carta a Alfredo Buzaid, então ministro da Justiça no governo Médici. Relatava que havia sido presa por oito dias pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social, órgão de repressão da ditadura militar) e que uma promessa feita a ela havia sido quebrada.

Os militares que a detiveram tinham dito várias vezes que ela não perderia o emprego mas, ao voltar ao trabalho —era escriturária da Fábrica de Biscoitos Pilar, em Recife (PE)—, descobriu que sua ordem de demissão tinha sido assinada no mesmo dia da prisão. De nada serviu a declaração do delegado de que ela não respondia a nenhum crime e que nada contra ela tinha sido apurado.

Seu caso não era isolado: ela contava que o mesmo ocorrera com um operário militante da Ação Católica Operária e que ouviu do próprio delegado que a situação era comum. Na carta, não pediu nenhum tipo de reparação para o seu caso, mas sim "que não se repitam situações similares às nossas com outros trabalhadores do Brasil".

Àquela altura, Angelina era talvez a figura mais importante no Brasil da Juventude Operária Católica (JOC), movimento social da Igreja de defesa de direitos e voltado à formação humanista de trabalhadores jovens. Três anos antes, em 1969, havia sido eleita vice-presidente internacional do movimento.

Filha de um agricultor e uma lavadeira, foi criada numa família de 16 irmãos em João Pessoa, na Paraíba. Aos oito anos de idade, já tinha de ficar responsável pelos irmãos mais novos em casa. Muitas vezes se alimentavam dos caranguejos do mangue de Mandacaru.

Sua militância na JOC, que começou em meados da década de 1950, transformou a maneira como ela enxergava o mundo. Segundo o depoimento de um amigo, durante a celebração ecumênica de Sétimo Dia de sua morte, o movimento significava para ela um compromisso com Deus, a sua fidelidade aos pobres e o sentido de sua vida.

Depois de passar pela coordenação regional e nacional do movimento, Angelina se mudou para a Colômbia em 1964 —um mês antes do golpe militar— para atuar na coordenação continental da JOC. Chegou a chefiar o serviço internacional de missionários por três anos.

Quando voltou ao Brasil, em 1971, retornou também ao chão de fábrica, mudando-se para Recife e trabalhando no setor têxtil. No fim daquela década, quando já morava no Rio de Janeiro, foi uma das fundadores do Centro de Ação Comunitária (Cedac), uma ONG formada por líderes sindicais com foco em formação política e organizativa. A entidade participou da 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora, em 1981, e da formação da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

Até os últimos anos de vida, ela mantinha contato ativo com movimentos da juventude católica e sua militância na Pastoral Operária. Era brincalhona e adorava música nordestina.

Maria Angelina morreu perto da família no dia 14 de junho, Camaragibe (PE), deixando 14 irmãos e uma legião de amigos.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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