Entender por que a matéria e a antimatéria se comportam de maneira diferente é fundamental para compreender por que existe o Universo. Agora, físicos descobriram o mais recente exemplo de uma diferença sutil entre a substância que compõe galáxias, estrelas, planetas e nós, e seu gêmeo oposto.
Partículas de antimatéria, como antielétrons e antiprótons, possuem a mesma massa, mas carga elétrica oposta aos elétrons e prótons comuns. Em uma pesquisa publicada na última quarta-feira (16) na revista Nature, fruto de uma colaboração internacional de cientistas trabalhando no laboratório de física de partículas Cern, nos arredores de Genebra (Suíça), descreveu um desequilíbrio entre partículas que são primas dos prótons e nêutrons que compõem os objetos cotidianos.
Isso faz com que as novas observações sejam "muito importantes para entendermos melhor questões maiores como as assimetrias entre matéria e antimatéria no Universo", disse Xueting Yang, estudante de pós-graduação da Universidade de Pequim (China) que liderou a análise.
O Big Bang que criou o Universo deveria ter produzido quantidades iguais de matéria e antimatéria. Quando uma partícula de matéria encontra sua contraparte de antimatéria, as duas se aniquilam. Assim, toda a matéria deveria ter aniquilado toda a antimatéria em uma explosão cataclísmica de radiação, deixando um Universo vazio para a eternidade.
No entanto, 13,8 bilhões de anos depois, você —feito de matéria, não de antimatéria— está lendo esta notícia em um dispositivo (ou em um jornal), que também é feito de matéria. De alguma forma, no instante após o Big Bang, para cada bilhão ou mais de pares de matéria e antimatéria, uma partícula extra de matéria persistiu.
Essa leve inclinação das leis da física em favor da matéria é conhecida como violação de carga-paridade, ou violação CP.
As novas descobertas são baseadas em experimentos realizados entre 2011 e 2018 no Grande Colisor de Hádrons do Cern, que colide prótons em colisões frontais. Esse é o mesmo acelerador de partículas que em 2012 confirmou a existência do bóson de Higgs, que confere massa a outras partículas fundamentais.
A energia de cada colisão próton-próton é como um mini Big Bang. Como Albert Einstein percebeu, energia e massa são intercambiáveis —E=mc²— então a energia se transforma em partículas e, assim como no Big Bang, a colisão produz tanto matéria quanto antimatéria.
Para medir a violação de CP, um detector no colisor conhecido como LHCb (Large Hadron Collider beauty) registra decaimentos de partículas que podem esclarecer como a matéria se comporta de maneira diferente da antimatéria.
Você provavelmente aprendeu na escola sobre prótons e nêutrons, os principais constituintes da matéria comum. Eles pertencem a uma classe de partículas conhecidas como bárions, e os bárions são compostos de três partículas fundamentais ainda menores chamadas quarks. Os físicos deram aos quarks nomes peculiares como up, down, strange e charm. Um próton consiste em dois quarks up e um quark down. Um nêutron tem um quark up e dois quarks down.
As novas descobertas de Yang e seus colegas concentram-se no bárion lambda-beauty, que é um nêutron no qual um dos quarks down foi substituído por um quark mais pesado conhecido como beauty ou bottom. A colisão de prótons às vezes produzia um bárion lambda-beauty, e às vezes o bárion decaía em um próton e outras três partículas específicas de uma família chamada mésons, que consistem em dois quarks em vez de três.
Eles também organizaram casos em que a forma de antimatéria da partícula, um bárion lambda antibeauty, decaiu em antipartículas equivalentes: um antipróton e três antimésons.
O que a análise deles mostrou foi que a versão de matéria desse decaimento era alguns pontos percentuais mais provável do que a versão de antipartícula. Com 80 mil decaimentos observados, a análise estatística indicou que essa discrepância teria menos de 1 em 5 milhões de possibilidades de ocorrer por acaso.
Observar a violação de CP em bárions é importante porque a matéria comum do Universo é feita de bárions, segundo Charles Young, cientista sênior do Laboratório Nacional de Aceleração SLAC em Menlo Park, Califórnia, que não esteve envolvido na pesquisa. "E essa é a primeira medição disso."
No entanto, provavelmente isso não resolverá o enigma: por que existe um Universo afinal?
Isso ocorre porque os resultados do bárion lambda-beauty são provavelmente uma manifestação de um fenômeno de violação de CP observado pela primeira vez em mésons na década de 1960. Essa descoberta levou à previsão de dois quarks adicionais —os quarks top e bottom— e a alguns ajustes no modelo padrão, o conjunto de equações que descreve o comportamento de partículas e forças fundamentais, exceto a gravidade.
Nas décadas de 1990 e 2000, uma violação de CP também foi medida em um grupo de mésons contendo quarks bottom. Mas em todas as medições de mésons a magnitude do fenômeno era muito pequena para explicar a disparidade entre matéria e antimatéria, e esses resultados se encaixavam na compreensão atual do modelo padrão.
À primeira vista, os resultados mais recentes também parecem se encaixar nos limites do modelo padrão. Os achados experimentais, no entanto, ajudarão a refinar e testar os cálculos complexos dos teóricos.
"A previsão teórica para decaimentos de bárions ainda é muito imprecisa, então é difícil ter uma comparação muito precisa entre os resultados experimentais e as previsões teóricas", disse Yang. "Podemos ter oportunidades no futuro para explorar alguma nova fonte de violação de CP."