A morte de uma menina de 11 anos autista, na semana passada, depois de uma queda num cânion no Rio Grande do Sul, destravou um turbilhão de discussões e de emoções.
Ouvi de outras mães atípicas comentários como "podia ter sido com qualquer uma de nós" e "esse é meu maior medo", remetendo ao "eloping", uma fuga repentina muito frequente entre autistas, que saem inadvertidamente de casa ou outros locais e, muitas vezes, se colocam em situação de risco para acidentes, como afogamentos e atropelamentos. Também pensei "eu podia ser essa mãe".
Mesmo sem informação concreta sobre a dinâmica do acidente, houve quem criticasse a família por ousar levar uma autista a um passeio desafiador. Esses comentários vergonhosos foram recebidos com uma campanha orgânica nas redes sociais "Vai ter autista vivendo, sim!", embalada pela deputada estadual autista e mãe de autista Andréa Werner (PSB-SP) e pela grande influenciadora e pesquisadora de autismo Poliana Martins. O movimento — que ainda está circulando — é de fotos de autistas tendo experiências ao ar livre, como qualquer outra pessoa.
Nesse ponto, quero parar. Vidas atípicas, quaisquer que sejam elas, trazem vivências — e medos — muito particulares. Sendo bastante explícita, a maternidade atípica traz com ela medos como esse da fuga repentina em qualquer lugar e a vigilância constante: no estacionamento movimentado, no shopping com escadas e parapeitos baixos e no clube cheio de piscinas. Traz o medo de ser julgada porque se atreveu a enfrentar o desconhecido para dar ao filho uma experiência potente. E, talvez o que mais tenha me impactado nesse caso, traz o medo de deixar de ter experiências potentes — e de proporcionar elas a nossos filhos — pelo medo de não dar conta. Não dar conta de manejar a situação pelo desafio ou cansaço, ou medo dos julgamentos.
A deputada Andréa Werner chamou minha atenção para o movimento "Vai ter autista vivendo, sim!". Fui procurar fotos recentes dos meus filhos autistas maravilhosos vivendo grandes experiências desafiadoras.
E não encontrei.
Há dias, tento entender o porquê. A rotina é muito puxada e estou exausta? Tenho medo de levar, sozinha, meus filhos a locais que não conheço — e onde não conheço os riscos? Tenho medo dos julgamentos sociais às adaptações que sempre preciso fazer? Ou — melhor das hipóteses — vivemos, sim, experiências desafiadoras, como qualquer família, mas o passeio me demandou tanta atenção e energia que sequer fotografei?
Provavelmente é uma mistura de tudo isso: fomos menos, por eu estar cansada e ter medo de não conseguir lidar com as situações; quando fomos, não tive tempo de fotografar.
O caso da Bianca, a garotinha que nos deixou semana passada, abalou a todos nós. Espero que sua família tenha recebido essa grande onda de compaixão e fraternidade que nos une no medo mas também no desejo de viver vidas felizes e plenas.