O que vai na mochila dos refugiados?

1 week ago 12

No meio das notícias, uma foto fez com que eu parasse. Foi tirada no oeste da Tunísia. No breu da noite, uma luz ilumina uma pequena embarcação prestes a aportar, tão abarrotada de homens que eles nem sequer estão sentados: um corpo se comprime contra o outro, os olhares assustados de quem não sabe o que vai acontecer.

Ao observá-los, me dei conta de que mal havia espaço para mochilas. Sabendo que esses refugiados partem para recomeçar suas vidas, me perguntei: o que traziam nos bolsos?

A mesma questão também foi levantada pelo International Rescue Committee, que resolveu fotografar o que outros refugiados levavam em suas bagagens. Dei uma olhada nos pertences de Aboessa, uma moça de 20 anos que cruzou a fronteira da Síria para a Turquia carregando uma bolsa surrada e uma filha de dez meses, para então tomar um bote até a Europa.

Aboessa levava medicamentos, chapéu, papinha, guardanapos para a troca de fraldas, protetor solar, analgésicos, carteira com documentos e um carregador de celular.

Desci os olhos por outras fotos, os itens dos refugiados dispostos sobre lonas. Percebi que havia um padrão: remédios, documentos, alimentos, dinheiro, carregador. A única exceção era um menino, que levava doces, e me comoveu com isso. E um homem que levava um rosário e uma palheta de guitarra.

Na minha fantasia de escritora, refugiados levariam fotos, cartas amareladas de amor, dentes de leite, diários, quem sabe alguma medalha para lembrar de um tempo em que se competia por coisas mais triviais do que a própria vida.

Ao que parece, na hora do vamos ver, prioriza-se o crucial. Não só no caso de guerras, mas também de desastres climáticos. Descobri que há uma lista padrão para quem mora em zonas de risco, recomendando deixar uma mochila sempre pronta com remédios, lanterna, máscara, óculos reserva, canivete, apito, documentos e itens de higiene.

Minha amiga e escritora Irka Barrios, cuja casa foi inundada no Rio Grande do Sul, levou consigo um kit de sobrevivência. Além de umas poucas peças de roupa, um notebook e um kindle —o equivalente aos doces que o menino levara consigo.

Cada triste caso é um caso e há ainda outro, que sempre me lembro, do narrador de um dos meus livros preferidos, que se prepara para ser enviado a um campo de trabalhos forçados depois do final da Segunda Guerra, no romance "Tudo o Que Tenho Levo Comigo", da romena Herta Muller.

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Na mala de couro de porco, que antes abrigava um gramofone, o jovem narrador coloca o guarda-pó que pertencera ao pai, o sobretudo com gola de veludo do avô, a calça bufante do Tio Edwin, as polainas do vizinho, as luvas de lã verde da Tia Fini e os únicos itens que realmente lhe pertenciam: um cachecol e uma nécessaire.

Tenho pensado também nos palestinos. O que levariam, se conseguissem deixar Gaza? As crianças que perderam a família sequer teriam o direito a itens amealhados com o longo convívio, como os que levava o citado narrador. E ainda que levassem só objetos de emergência: teriam alguma comida ou medicamento para colocar nos bolsos?

Mesmo quando uns têm tão pouco, sempre há outros para ter menos ainda. O que parece não variar é a vontade, bela ainda que alquebrada, de seguir em frente.

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