Rezei para Juliana Marins me ajudar, diz homem que ficou preso em pedra durante trilha no RJ

19 hours ago 2

Um passeio que para aproveitar a vista da Pedra do Sino, ponto mais alto do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em Teresópolis (RJ), terminou em um dos mais complexos resgates que o Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro já realizou —e no salvamento de Gabriel Pessanha, militar reformado da Aeronáutica. Ele passou várias horas preso em uma fenda depois de buscar uma descida alternativa da montanha.

No dia 16 de julho Pessanha e o amigo Felipe David Rocha resolveram subir ao cume da Pedra do Sino. "Não sou montanhista, sou aventureiro", esclarece Rocha no começo de sua conversa com a reportagem. Já Pessanha diz ter "costume de fazer trilha esporadicamente há uns 10 anos". Com eles, subiu uma outra pessoa, que nunca tinha encarado uma jornada semelhante.

A subida correu como esperado. Eles dormiram no Abrigo 4, a 2.200 metros de altitude e a a quase três horas de caminhada até o cume. De madrugada, saíram e viram o início do amanhecer do alto, cumprindo o roteiro tradicional de quem busca esse destino. No frio, que naquela manhã batia os 7°C, começaram a descida. Ao chegarem a uma bifurcação, Rocha consultou o mapa no aplicativo e disse que seguiriam pela trilha da esquerda. Mas Pessanha teve outra ideia.

"Eu olhei para baixo e me deu medo, tenho um problema de fobia de altura, já tive isso antes na Pedra da Gávea, é algo que pretendo superar, só que ali não deu, eu travei", conta Pessanha, que insistiu em tentar o que parecia ser uma rota menos íngreme, pela via da direita, enquanto os colegas seguiam pelo outro caminho. A decisão quase lhe custou a vida.

"Eu estava muito cansado, normalmente faço trilhas de bate e volta, não carrego tanto peso, mas aquele dia tinha o equipamento de acampamento, suprimentos, muito peso e o frio era muito forte, aí somado com a fobia me deu fraqueza nas pernas, não tinha como seguir", diz Pessanha. Na tentativa de descer por outro lado, escorregou e, sem conseguir se segurar por estar com uma garrafa de água numa das mãos, foi descendo em direção ao abismo.

"Conforme eu deslizava, minha roupa ficava presa nas plantas, senti que seria asfixiado pelo casaco, que deixei sair, depois a blusa, a touca, e ia escorregando até perceber que havia um precipício à direita e uma pedra à esquerda. Me joguei para a esquerda para tentar segurar na pedra e caí, daí apagou tudo", conta.

Na queda, Pessanha bateu a cabeça e ficou algum tempo desacordado. "Quando abri os olhos, primeiro pensei que era um pesadelo, que iria acordar, mas aos poucos percebi que era realidade, eu estava preso num buraco, cheio de dores e sem esperança de ser encontrado, porque havíamos deixado os rádios no abrigo e, mesmo que tivesse levado o meu, ou um apito que fosse, seguramente teriam ficado no caminho da queda".

"Eu estava entalado, tremendo de frio, sem minhas roupas, sem movimento da mão direita, a pedra úmida, gelada, tinha certeza de que ia morrer ali e no meio do delírio resolvi que ia morrer com dignidade, me deixar dormir até a hipotermia me levar, só lembrava da morte de Juliana Marins lá na Indonésia e rezei para que ela me ajudasse", lembra.

Enquanto isso, Rocha, estranhando a demora do amigo que não aparecia no abrigo, subiu com um guarda do parque até o ponto onde haviam se separado. "A partir da bifurcação, fomos descendo pela direita e vi a garrafa de água. Mais abaixo, a touca. Depois, o casaco, a blusa de baixo, enfim, ali comecei a gritar o nome dele", relata Rocha.

Descendo com cuidado pelas pedras escorregadias, Rocha achou umas pedras "que pareciam amontoadas, assim, uma por baixo da outra com uns buracos no meio". Gritou novamente e ouviu de longe a voz de Pessanha, "sem força, bem debilitada, dava para perceber que ele estava com muita dor".

Rocha encontrou uma fresta pela qual se arrastou de bruços até chegar perto do amigo, enquanto o guarda do parque acionava o resgate. "Eu o via de onde tinha conseguido chegar e era inexplicável como havia se encaixado naquele buraco, parecia que as pedras tinham caído por cima dele, que estava todo torto, uma perna para um lado, o braço para outro, o pescoço todo ralado, não tinha como puxá-lo para cima, ele simplesmente não conseguia se mexer e gemia de dor e frio", relembra.

"Ele estava caído, lateralizado sobre o lado direito" relata Ramon Roque Gonçalves dos Santos, sargento do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, único que conseguiu chegar engatinhando ao ponto exato onde estava Pessanha. "A perna direita estava dobrada para trás, presa pelo tênis e pela perna esquerda, que estava por cima. O braço direito estava preso sob o corpo, ele conseguia mover apenas o braço esquerdo e, levemente, a cabeça", afirma.

"Para acessar as pernas, foi necessário mergulhar por cima e, para alcançar o ombro e a cabeça, tive que rastejar por baixo, avançando cerca de seis metros", completa. Enquanto o sargento Roque dava apoio a Pessanha dentro do buraco, os demais membros do grupo se dedicavam a quebrar a rocha aos poucos para abrir uma passagem que permitisse arrastá-lo sem, entretanto, provocar um colapso completo da estrutura, em uma operação que levou três horas.

O resultado da aventura acabou se resumindo a um susto que, agora, vai obrigar Pessanha a passar por um processo longo de fisioterapia, para cujo custeio ele lançou uma vaquinha em suas redes sociais, com a ajuda do amigo Rocha. "Tenho uma filha de 4 anos e estou construindo minha casa, mas preciso melhorar logo até para poder superar o trauma e voltar para as montanhas", afirma.

Read Entire Article