Superpredador do Jurássico tinha nadadeiras adaptadas para surpreender presas

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Um dos superpredadores que singravam os mares do período Jurássico tinha nadadeiras equipadas com "silenciadores" estruturais, finamente adaptadas para minimizar a turbulência da água e impedir que eles fossem flagrados por suas presas, segundo um novo estudo.

A hipótese, apresentada em artigo publicado nesta quarta (16) na revista científica britânica Nature, baseia-se num fóssil inusitado. Ele corresponde a apenas uma das nadadeiras frontais do réptil aquático Temnodontosaurus, que viveu há cerca de 180 milhões de anos e podia alcançar cerca de dez metros de comprimento (em torno de dois metros a mais do que as orcas de hoje).

O Temnodontosaurus pertencia ao grupo dos ictiossauros, bichos de estrutura corporal vagamente semelhante à dos tubarões ou golfinhos que tiveram grande sucesso evolutivo no mar enquanto os dinossauros atingiam seu auge em terra firme.

O novo fóssil apresentado na Nature veio à tona durante obras de construção civil no sudoeste da Alemanha. Por causa da maneira como a descoberta aconteceu, a peça ficou fragmentada –um "quebra-cabeças tridimensional", como escrevem os autores do estudo, liderados por Johan Lindgren, da Universidade de Lund, na Suécia.

Ao remontar as peças, Lindgren e seus colegas se deram conta de que estavam presentes ali os ossos dos quatro dedos que formavam as nadadeiras frontais da espécie –derivados, é claro, dos dedos das patas da frente que existiam nos ancestrais terrestres do grupo.

Além disso, porém, havia a preservação dos chamados tecidos moles do membro, como pele, músculos e cartilagem, incluindo até os melanossomos, microestruturas que, durante a vida do animal, carregavam os pigmentos responsáveis por boa parte de sua coloração.

E foram justamente as estruturas formadas pelos tecidos moles que surpreenderam os pesquisadores. A preservação delas mostra que as nadadeiras frontais do Temnodontosaurus eram muito mais longas do que apenas os ossos dão a entender, com um formato que lembra as asas de um avião.

O que é mais curioso, porém, é que boa parte da borda dessas "asas" subaquáticas apresenta um aspecto serrilhado e um sistema de reforço formado com tecidos cartilaginosos especializados, de um tipo que nunca tinha sido identificado antes e que os pesquisadores apelidaram de condrodermas (termo que une as palavras gregas para "cartilagem" e "pele").

A estrutura dos condrodermas provavelmente trazia uma mistura de flexibilidade e resistência que facilitava a adaptação do formato das nadadeiras à locomoção subaquática. Já as pontas serrilhadas, propõem Lindgren e seus colegas, poderiam funcionar de forma análoga a modificações semelhantes presentes nas asas das corujas modernas, que interrompem o fluxo de fluidos (o ar, no caso das corujas, ou a água, no caso dos ictiossauros) e tornam a movimentação mais silenciosa.

Com isso, o Temnodontosaurus teria mais facilidade para se aproximar de suas presas, como parentes extintos das atuais lulas e polvos, além de outros ictiossauros menores, ao diminuir a emissão de sons de baixa frequência em águas profundas.

O paleontólogo Bruno Gonçalves Augusta, que fez seu doutorado sobre répteis aquáticos da Era dos Dinossauros no Museu de Zoologia da USP, destaca que Lindgren é um dos principais especialistas do mundo no estudo dos tecidos moles e de biomoléculas fossilizadas desses animais.

"Fósseis de ictiossauros com tecidos moles preservados não são exatamente incomuns, mas em geral são animais pequenos, com até três metros de comprimento. É muito legal que eles tenham descoberto um fóssil grande com essas mesmas características, já que é algo muito mais raro", contou Augusta à Folha.

O paleontólogo, que produz vídeos de divulgação científica em seu canal Zoomundo, diz que é bastante plausível que os condrodermas tivessem função hidrodinâmica, otimizando o nado do ictiossauro gigante. No entanto, a interpretação de que eles aumentariam a furtividade do nado do predador envolve aspectos mais especulativos, diz ele.

"É uma conclusão interessante, levando em conta que eles caçavam em águas profundas, com pouca luz, e que as presas poderiam detectar predadores pela audição. Só que eu olho pra essa conclusão com um pouquinho de cautela. Primeiro, há o problema da amostragem: o de usar um único fóssil para generalizar um comportamento para toda uma espécie", lembra Augusta.

"Em segundo lugar, muitos organismos de mar profundo hoje não possuem grandes adaptações auditivas. Muitos dependem mais de olhos grandes para captar o que ainda há de luz nesses ambientes. Por isso, eu não descartaria que esses condrodermas estivessem ali para possibilitar uma natação mais rápida e ágil."

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