Terras de afrodescendentes e quilombolas têm até 55% menos desmatamento, diz estudo

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As taxas de desmatamento em terras de afrodescendentes do Brasil, Colômbia, Equador e Suriname podem ser até 55% menores que em outros territórios semelhantes, mas sem titulação, segundo pesquisa publicada nesta terça-feira (22) na revista científica Communications Earth & Environment, do Grupo Nature.

O estudo, conduzido pela ONG Conservation International, combina 21 anos de dados estatísticos e espaciais com dados históricos para quantificar o papel dos povos afrodescendentes, como quilombolas, na proteção da natureza. Os resultados apontam que suas terras têm maiores níveis de biodiversidade e retenção de carbono, além de menor perda florestal.

"Uma das razões para realizarmos a pesquisa é a falta de documentação sobre as contribuições de pessoas afrodescendentes para a preservação ambiental", diz Sushma Shrishtha, autora principal do estudo. Segundo a pesquisadora, áreas como quilombos são cruciais para combater as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade global.

As terras quilombolas apresentam taxas menores de desmatamento mesmo quando comparadas a unidades de conservação na pesquisa. Áreas protegidas que também têm titulação registram, em média, 29% menos desmatamento que áreas protegidas sem titulação. Fora das unidades de conservação, a redução chega a 36%. O efeito é mais expressivo nas bordas dessas áreas, com redução de 55%.

Apesar de ocuparem apenas 1% do território dos quatro países do estudo, mais da metade das terras afrodescendentes se encontram entre os 5% de áreas com maior biodiversidade do mundo.

O estudo ainda aponta que as terras quilombolas estudadas armazenam mais de 486 milhões de toneladas de carbono irrecuperável –que se for perdido por desmatamento ou degradação, não pode ser recuperado em tempo útil para evitar os piores impactos da crise climática.

"Agora temos precedentes tanto científicos quanto legais que explicam por que devemos ter um lugar à mesa [na discussão climática] e ter nossos direitos territoriais respeitados", diz Hugo Jabini, líder quilombola do povo saramaka, do Suriname, e vencedor do Prêmio Goldman de 2009 por direitos territoriais de afrodescendentes.

A advogada brasileira Marina Marçal, especialista em políticas climáticas, diz que o maior ganho do estudo é olhar para os afrodescendentes não apenas como impactados pela mudança do clima, mas como protagonistas da prevenção.

"Muitas vezes esse título [de guardiões das florestas] só é visto em relação aos indígenas do Brasil —que são muito importantes também. Mas o país tem a maior população de afrodescendentes fora do continente africano e eles são extremamente invisibilizados, têm pedido financiamento recorrentemente nas últimas conferências de clima, falado da importância de serem ouvidos nos processos e têm sido muitas vezes negligenciados", diz a líder no Brasil da Waverley Street Foundation.

As terras quilombolas do Brasil representam 39% do total pesquisado. No país, elas se sobrepõem a 87 áreas protegidas e incluem áreas de conservação de relevância global, como o Parque Nacional do Jaú, na amazônia. Em florestas tropicais, áreas úmidas e pantanosas nos quilombos brasileiros, são armazenados 172,9 milhões de toneladas de carbono irrecuperável (36% do total dos quatro países).

Os motivos para essa maior conservação da natureza também foram abordados no estudo. Os pesquisadores fizeram uma revisão interdisciplinar de fontes acadêmicas para entender como os povos afrodescendentes manejaram ecossistemas tropicais desde o período colonial.

Segundo a cientista socioambiental Martha Rosero, coautora do artigo, os povos afrodescendentes demonstraram grande capacidade de adaptação a ecossistemas diversos nas Américas, integrando conhecimentos agrícolas e florestais africanos com espécies locais; suas práticas de manejo são multifuncionais e, mesmo em contextos com poucos recursos, mantêm mecanismos ecológicos próprios.

Além disso, diz, suas práticas incorporam uma relação espiritual com a natureza, herdada de povos indígenas africanos, onde o cuidado com o território é também um ato sagrado.

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No ano passado, a Convenção sobre Diversidade Biológica na COP16 (conferência da ONU sobre biodiversidade) reconheceu formalmente o papel que os povos afrodescendentes possuem na conservação da biodiversidade e nas metas de conservação global.

Neste ano, a COP30 (conferência de clima da ONU), que ocorre em novembro em Belém, terá a participação da Comissão Internacional de Comunidades Tradicionais, Afrodescendentes e Agricultores Familiares.

"Os afrodescendentes vêm protegendo a biodiversidade e gerindo ecossistemas há séculos, usando práticas sofisticadas de conservação que o mundo está apenas começando a compreender," diz Rosero. "A liderança deles não se trata apenas de preservar o passado —trata-se de moldar o futuro das políticas climáticas e de conservação".

O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.

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