Imagens de uma câmera corporal indicam que os policiais militares que mataram um suspeito rendido em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, podem ter se esquecido que portavam os equipamentos de vídeo ou achado que a ação não seria gravada.
Eles já haviam disparado quatro tiros contra Igor Oliveira de Moraes Santos, 24, quando a câmera apitou, indicando que estava acionada. Os policiais parecem lembrar dos equipamentos a partir do ruído. Dois deles alertam os colegas sobre as COPs, sigla para câmera operacional portátil.
O cabo Renato Torquatto da Cruz, que atirou três vezes contra Santos com uma pistola, afasta-se do quarto onde os suspeitos foram encurralados assim que o aparelho apita.
As câmeras utilizados são do novo modelo adotado pela Polícia Militar, fabricado pela Motorola. Elas têm diferentes modalidades de acionamento da gravação. Isso pode ser feito a distância pelo Centro de Operações da PM ou por um comandante do batalhão, por exemplo.
Há um mecanismo que aciona todas as câmeras num raio de 20 metros quando uma delas é ligada —a chamada ativação perimetral via bluetooth. Quando os novos modelos foram anunciados, a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou que pediria à fabricante uma modalidade para acioná-las automaticamente quando há um estampido, como um tiro.
Toda vez que é acionada, a câmera recupera 90 segundos de gravações imediatamente anteriores. A PM afirma que a qualidade das imagens é melhor em relação ao outro modelo utilizado, da empresa Axon.
A gravação tem início às 15h43 da última quarta-feira (10) e dura cerca de dois minutos. Confira abaixo uma análise minuto a minuto da gravação que flagrou a morte de Igor, classificada pela própria PM como uma "ação ilegal".
0m15s: 'Segura aí'
O vídeo começa com um dos PMs abrindo a porta de um apartamento. Ele olha por alguns segundos dentro do cômodo de entrada e começa a seguir caminho, mas o colega (que está portando a câmera) diz "Segura aí", e eles entram no apartamento.
0m45s: PMs sobem a escada
Após uma varredura na sala, os policiais começam a subir uma escada que dá acesso a um piso superior do mesmo apartamento. É possível identificar que há ao menos quatro PMs, contando com o homem que porta a câmera, que é o último da fila que sobe a escada.
1m05s: Mãos na cabeça
É possível ver Igor Oliveira de Moraes Santos, 24, em pé e com as mãos atrás da cabeça, de frente para os policiais. Há outro homem com as mãos na cabeça e agachado ao seu lado. A dupla está em um quarto, atrás de uma cama. Um policial —o cabo Renato Torquatto da Cruz, conforme se apurou depois— aponta uma pistola na direção de Igor e dispara duas vezes. Ele cai no chão.
1m20s: 'Tem passagem?'
Com a arma apontada para Igor, que está sentado no chão do quarto e com uma mão levantada, o policial pergunta se ele tem antecedentes criminais. O homem responde que não com a cabeça. "Então levanta", diz o policial em seguida.
1m25s: Tiros de pistola e espingarda
Enquanto Igor se levanta, antes de ficar totalmente em pé, Cruz dispara novamente. Logo em seguida, o soldado Robson Noguchi de Lima atira com uma espingarda calibre 12 contra Igor.
1m28s: 'As COP'
Uma das câmeras corporais apita e os policiais parecem se lembrar que estão portando os equipamentos. O termo que eles usam, "COP", é sigla para câmera operacional portátil. Cruz se afasta do quarto e passa a apontar o equipamento para uma parede.
1m34s: Mais dois tiros
É possível ouvir outros dois tiros enquanto o policial se afasta da cena. Supõe-se que sejam tiros de espingarda, uma vez que apenas Cruz e Noguchi teriam disparado, segundo a apuração da PM. "Volta!", grita um dos policiais.
1m54s: 'Deita no chão'
Só então os PMs prosseguem à imobilização e prisão dos outros suspeitos. Os policiais dizem aos suspeitos: "deita no chão quem não está armado". É possível ouvir, à distância, o apito de outra câmera corporal. O vídeo se encerra pouco depois.
A morte desencadeou uma onda protestos e vandalismo na comunidade durante a noite de quinta-feira. Moradores atearam fogo em pneus e pedaços de madeira, viraram carros e fecharam algumas ruas do local. O tumulto foi sucedido de nova operação em que mais um homem foi morto e um agente da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, tropa de elite da PM) ficou ferido.
Na sexta, o chefe da comunicação da PM ressaltou que as imagens que mostraram a morte do suspeito quando já estava rendido foram captadas pelos novos modelos de câmeras corporais, e que elas foram acionadas automaticamente —via tecnologia bluetooth— após um dos policiais ligar seu próprio equipamento.
As câmeras têm uma função que aciona todos os equipamentos num raio de 20 metros quando o botão de uma delas é ligada manualmente.
Igor já tinha sido internado na Fundação Casa quando era menor de 18 anos por atos infracionais análogos a roubo e tráfico de drogas. A corporação disse que os outros três suspeitos também tinham antecedentes criminais por infrações como roubo, tráfico de drogas e furto.
Os dois policiais presos foram indiciados por suspeita de homicídio doloso, ou seja, com intenção de matar.
O Ministério Público de São Paulo disse que no último sábado (12) requereu, por intermédio dos promotores de Justiça Everton Zanella e Pedro Henrique Pavanelli Lima, a conversão da prisão em flagrante dos policiais militares em preventiva (sem prazo).