"Eu acho superimportante a gente começar a pensar sobre um termo que todo mundo usa, que aparece na internet o tempo todo, que é 'instinto materno'", diz a psicanalista Vera Iaconelli na CasaFolha, em aula disponível no site casafolhasp.com.br.
E, quando diz "pensar", ela diz "questionar". Porque Iaconelli argumenta que a noção de instinto materno não passa de um "pseudoconceito científico que começa a ser veiculado no século 18", uma "construção ideológica para que a mulher permanecesse no lugar de mãe".
Para pessoas pouco habituadas a esse debate, pode parecer provocação, mas a psicanalista, autora de livros sobre o assunto, logo cita pesquisadoras que mostram como a ideia de "instinto materno" surgiu em resposta a problemas econômicos, políticos e sociais muito específicos.
De acordo com a psicanalista, foi só depois da construção desse conceito que a mulher passou a ser vista como cuidadora insubstituível da prole, porque o instinto materno "serviu de munição para provar para as mulheres que elas eram mais mães do que mulheres, ou seja, que a grande graça da existência feminina era ter filhos".
Assim, a divisão dos papéis de gênero dentro de uma casa está, na maior parte dos casos, contaminada por uma ideia fabricada, embora a maioria das pessoas imagine que se trata de uma característica natural da espécie humana.
Em seu curso "Criar filhos no século 21", Iaconelli debate esse e outros temas relacionados à parentalidade, como a crise dos limites pela qual passam muitos pais e mães hoje em dia e os problemas que a internet gera na vida de crianças e adolescentes.
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Vera Iaconelli, que é colunista da Folha e autora dos livros "Criar Filhos no Século XXI" e "Manifesto Antimaternalista", entre outros, integra o time da CasaFolha desde o lançamento.
Nas aulas em que discute instinto materno e a divisão de gênero na criação dos filhos, ela sustenta que é possível pensar em arranjos domésticos diferentes do mais comum hoje em dia, no qual a mulher é responsável pela gestação, pelo parto e pelo cuidado.
"A gente poderia pensar num outro arranjo. [A mulher] passa pelo ciclo perinatal; ela já fez a parte dela; a partir daí, os outros cuidam", afirma a psicanalista.
Ela reconhece que, ao gestar e parir, a mulher tem uma experiência no próprio corpo e com o corpo do bebê que é particular. Mas daí não decorre, necessariamente, que só ela sabe cuidar da criança e muito menos que ela deve ser a única responsável.
"Tem o adulto que pariu e tem um bebê recém-nascido. O que um recém-nascido precisa não passa necessariamente pela pessoa que gestou e pariu."
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