Maureen Bisilliat vê São Paulo perder identidade

1 week ago 7

A fotógrafa e cineasta inglesa, naturalizada brasileira, Maureen Bisilliat, de 94 anos, é uma investigadora da alma nacional. Mostrou o país remoto, as agruras do sertão, a vida dos indígenas, o trabalho dos artesãos, entre outros lados escondidos da realidade do país, sempre com olhar antropológico e poético.

Agora ela está bem preocupada com o seu entorno, com o meio urbano, com o seu quintal. Na rua em que vive, a Bela Cintra, no bairro dos Jardins, ela vê a paisagem sendo desfigurada nos últimos anos, numa transformação desenfreada e selvagem.

Maureen mora há 68 anos num sobrado escondido dentro de uma loja. Em outros tempos, o estabelecimento pertenceu a ela, a seu marido, Jacques Bisilliat e ao arquiteto Antônio Marcos Silva, e se chamava Galeria de Arte Popular Brasileira O Bode, que comercializava objetos colhidos nas andanças do casal pelo Brasil. Agora é uma loja de móveis, a l'oeil.

O movimento comercial não interfere na sua vida. Mas ela teme pelo futuro do lugar onde reside e criou suas duas filhas. "A gente não sabe porque estão destruindo São Paulo, mas a cidade está sendo arruinada", diz. "Não sei quanto tempo vou poder ficar aqui. Esse ponto está ameaçado, ainda é um dos poucos lugares da região em que eles podem fazer um enorme edifício."

Pelo menos quatro vezes por semana, Maureen caminha pelo bairro na companhia de seu fisioterapeuta e consegue observar a transformação urbana que está acontecendo. "Aqui ainda não mudou, mas o outro lado da rua já está completamente diferente. Nem vou conversar sobre isso porque ninguém sabe nada", afirma.

Maureen fala que, no passado, o Brasil foi tido como um dos lugares onde a arquitetura estava no auge, entre as melhores do mundo, mas nos tempos atuais existe uma tendência à padronização. "Acho que essa arquitetura atual está sem estilo", diz.

Ela fotografou pouco São Paulo ao longo de sua carreira profissional. "Tenho três ou quatro fotos que guardo e que mostram como era a capital nos anos 1960. Preciso achar", conta. Mas adora a cidade, que a abrigou desde que desembarcou no país.

"São Paulo é uma cidade generosa e incorpora todo mundo que chega aqui", afirma. "Ela tem elementos de Nova York, menos gloriosa, mas junta muitas nacionalidades que trazem suas forças e se complementam."

A fotógrafa também pensa a cidade como um local de trabalho, que lhe deu oportunidade de conhecer o interior profundo do Brasil atuando como jornalista. "Tive a sorte de trabalhar na revista Realidade e na Quatro Rodas e elas me deram oportunidade de ir em muitos lugares distantes", diz.

A obra de Maureen permanece atual. Neste momento, suas fotos podem ser vistas do outro lado do Atlântico. Ela está em uma mostra em Paris com algumas de suas imagens do Xingu, que resultaram num livro e numa sala da Bienal de São Paulo nos anos 1970. A exposição ao ar livre é parte da programação da Temporada Brasil França/França Brasil 2025, que começou neste mês.

Hoje, ela estará no espaço Aldeia da Chama, às 18h30, num diálogo com o jornalista Eduardo Rascov. O nome do evento é "Maureen Bisilliat: Andanças e Equivalências". Maureen pensa também em novos projetos com o IMS (Instituto Moreira Salles), que, em 2003, comprou seu acervo de 16.251 imagens, incluindo fotografias, negativos em preto e branco e cromos coloridos. Não faltam motivos para exaltar seu brilhantismo e sua importância para a produção contemporânea.

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