Diversos países se disseram de portas abertas para cientistas estrangeiros, conforme cortes na ciência nos Estados Unidos eram anunciados pela administração de Donald Trump. O risco de uma debandada em larga escala, porém, é tido como pouco provável, segundo Kei Koizumi, 56, que assessorou os presidentes democratas Barack Obama e Joe Biden em questões de política científica.
"Existe um risco, mas acredito que seja pequeno. Não prevejo isso como um fenômeno de grande escala", afirmou Koizumi à Folha na última segunda (7). "Outras nações não têm os recursos para tentar atrair pesquisadores americanos, considerando que todos os países estão tendo dificuldade para apoiar seus pesquisadores."
Koizumi até recentemente, durante o governo Biden, ocupava a posição de assistente especial do presidente e diretor-adjunto para Ciência, Sociedade e Política do OSTP, sigla em inglês do escritório de Política para Ciência e Tecnologia da Casa Branca.
Durante o governo Obama também fez parte do OSTP, que, em resumo, lida com assessoramento da presidência para políticas científicas e tecnológicas e orçamento para pesquisa e desenvolvimento.
A carreira do especialista foi construída ao redor de questões orçamentárias relacionadas a políticas públicas para ciência. Nesta semana, Koizumi está no Brasil para eventos da Fapesp e da Unicamp, respectivamente em São Paulo e Campinas.
Em uma entrevista ao podcast "The Ongoing Transformation", o senhor falou sobre a importância da colaboração entre países. Ao mesmo tempo, hoje —e não acho que seja apenas sobre os EUA—, o mundo em algumas áreas parece estar se tornando mais protecionista. Sente o mesmo em relação às áreas científicas ou como isso afeta a ciência?
Sim, é verdade que em algumas áreas nós, como nações, estamos nos tornando mais protecionistas em nossa pesquisa científica. Mas, ao mesmo tempo, existe uma tensão, porque nosso empreendimento de pesquisa é cada vez mais global. Ciência é um empreendimento global. Observo dados de colaboração e o percentual de artigos coautorados por pessoas em diferentes países continua aumentando.
Proteção e colaboração estão em tensão e, dependendo do país, isso vai e volta. Devido a tensões políticas, as colaborações entre EUA e China começaram a diminuir depois de aumentarem constantemente.
Nos últimos meses, temos falado muito sobre os cortes da administração Trump nos programas científicos. Quais são as áreas que o sr. vê sofrendo mais?
É a saúde global que me preocupa, especialmente porque a administração cancelou pesquisas que estão ocorrendo no continente africano e em outras nações menos desenvolvidas. E estou pensando em contratos para pesquisas sobre HIV/Aids que estão ocorrendo na África Subsaariana. Também estou preocupado com as pesquisas sobre mudanças climáticas.
Eu acho que as parcerias internacionais estarão muito vulneráveis. Politicamente, é muito mais fácil cortar financiamentos que acontecem no exterior do que cortar fundos que estão nos EUA.
Que tipo de efeitos em cadeia os cortes de financiamento de pesquisa podem ter na economia dos EUA e de outros países como o Brasil?
Já estamos vendo impacto nos estudantes e pesquisadores em início de carreira. É bastante claro que teremos um declínio dramático de estudantes estrangeiros estudando ciência nos EUA.
Mas também terá um impacto na força do empreendimento científico e de engenharia dos EUA. Por exemplo, na NSF (Fundação Nacional de Ciência). Se seu orçamento de 2026 for aprovado pelo Congresso, resultará em 250 mil pessoas a menos nas atividades da NSF.
Isso significa uma redução dramática na capacidade dos EUA de resolver desafios globais e descobrir novas tecnologias que manterão a economia americana competitiva.
Ainda há tempo para mudar isso. Estou buscando trabalhar com o Congresso.
Ao mesmo tempo, há muitos países que estão convidando cientistas para trabalhar no exterior. Existe um risco real de fuga de cérebros dos EUA?
Eu acho que existe um risco, mas acredito que seja pequeno. Não prevejo isso como um fenômeno de grande escala. Outras nações não têm os recursos para tentar atrair pesquisadores americanos, considerando que todos os países estão tendo dificuldades para apoiar seus próprios cientistas.
Em segundo lugar, já enfrentei isso pessoalmente. Devo ir para o exterior por um tempo? Mas continuo convencido de que sou americano e preciso tentar ficar aqui.
Ao mesmo tempo, valorizo a oportunidade de colaborar com pesquisadores e formuladores de políticas de outras nações, porque há muito que precisamos aprender uns com os outros. Por exemplo, todos os diálogos sobre equidade, diversidade, inclusão e incorporação de conhecimentos tradicionais em colaborações de pesquisa de ecossistemas que discutimos no G20 no outono passado. Esse trabalho é importante e acredito que precisa continuar. E penso que estou mais bem posicionado para fazer isso de algum lugar nos EUA.
Durante a administração Biden havia algumas preocupações sobre investimentos em ciência. Por exemplo, sobre a implementação do "Chips and Science act" [investimentos bilionários em semicondutores, IA e pesquisa]. Onde a administração Biden ficou aquém em política científica?
Eu penso... não tenho certeza de que ficamos aquém na política. Acho que ficamos sem tempo. Quatro anos é um período longo, mas para pesquisa científica, que obviamente leva anos e anos, não tenho certeza de que teríamos feito nada diferente.
É claro, eu gostaria que o "Chips and Science act" pudesse ter sido sancionada em 2021 em vez de 2022. Mas fizemos muito. Avançamos em termos de apoio ao financiamento de pesquisa para níveis recordes. Restauramos a pesquisa sobre mudanças climáticas e elaboramos um plano viável de pesquisa para ajudar no combate à próxima pandemia. Fizemos o nosso melhor para incorporar conhecimentos tradicionais e indígenas na tomada de decisões das agências científicas.
Havia, é claro, assuntos inacabados. E uma das áreas que me preocupa é a implementação de legislações como o "Chips and Science act".
Quando falamos sobre financiamento, especialmente na ciência e especialmente no Brasil, a conversa geralmente não é tão boa. O que lhe dá esperança para o futuro pensando na ciência global?
O que me dá esperança é que, como eu disse, estamos em um empreendimento global de ciência e tecnologia e essas relações são fortes. Eu acho que elas vão perdurar mesmo que um governo ou dois desista ou desvalorize essa colaboração. Continuamos tentando entender o empreendimento científico global, especialmente as pessoas. Isso não vai mudar, porque estamos em um mundo científico global.
Vai se tornar mais difícil, e não apenas com o governo americano, porque em outros governos, incluindo o do Brasil, é difícil continuar apoiando a ciência e tecnologia quando há tantas outras prioridades concorrentes. Mas acho que vamos superar isso, ou pelo menos tento ter esperança de que vamos superar isso.
Raio-X
Kei Koizumi, 56
Formado pela Universidade de Boston em política econômica comparativa e com mestrado na Universidade George Washington em política internacional de ciência e tecnologia. Por quase dez anos atuou como diretor do Programa de Ciência e Orçamento para Pesquisa e Desenvolvimento na entidade AAAS (American Association for the Advancement of Science). Integrou o OSTP, sigla em inglês do escritório de Política para Ciência e Tecnologia da Casa Branca, durante os governos Obama e Biden.