Oiê. Passando aqui para provocar uma reflexão. O tour de hoje: clichês, jargões e bordões. Para facilitar, chamaremos esses fenômenos linguísticos de "clichês", mesmo porque, apesar das diferenças, pertencem à mesma espécie de expressões esvaziadas. E vamos combinar: condenar os clichês é também uma espécie de clichê.
Todo clichê, antes de virar clichê, já foi uma grande ideia. Tão usada que se desbotou. Virou adesivo e ressurge da boca dos Platões de plantão com pose de sabedoria. Para tudo existe uma frase pronta na ponta da língua, certeira, rasa. Ninguém resiste à tentação. É quase uma compulsão. A pessoa nem percebe e já está adicta.
O curioso é que quem solta um clichê deve realmente acreditar que acabou de inventar uma máxima brilhante. Como se tivesse tido uma epifania e descoberto a linha tênue, a conexão profunda, a paz interior, o amor sincero, o silencio ensurdecedor, a lembrança marcante e outras maravilhas.
Acontece que a linguagem é uma entidade viva, imperfeita, indomável. Quando domesticada, deixa de se arriscar, tropeçar, tatear os sentidos. Recolhe-se, hermética, sem pulso. Vira flor de plástico. E, pior, afasta-se do que tem de mais potente: a capacidade dizer o que nunca foi dito.
O pior tipo são os clichês-coaching. Você sofre uma perda? Não era pra ser. Está apaixonado? Se for verdadeiro, o universo conspira. Está deprimido? Tudo bem não estar bem. Está com vontade de gritar? Grite, mas de forma curada. Está com raiva? Trabalhe o perdão. Perdeu o emprego? A vida tem planos melhores. Foi traído? Que bênção, agora pode focar em si. Levou um pé na bunda? Gratidão pelo livramento. Está doendo? Aceita que dói menos. Abrace o sofrimento e seja a sua melhor versão. Só vai. O não você já tem.
Outro tipo irresistível é o que substitui aquela deliciosa palavrinha que começa com "fo" e termina com "-se".
Uma voz interna, empoderadora, que sussurra quando surge uma tentação à qual, no fundo, se sabe que não se deve ceder. Clássicos do autoengano, versões modernizadas de "o que não mata engorda". Se priorize. Só se vive uma vez.
Depois entram as armadilhas tóxico-positivas revestidas de acolhimento, que funcionam como um anestésico tópico. Mal se permite sentir a dor, e já vem o vocabulário da cura. A angústia vira jornada; o sofrimento, experiência transformadora. Simples assim! A pessoa não está triste, está em processo de ressignificação. Não está confusa, está acessando camadas da sua criança interior.
Hashtags são vetores prolíficos desse tipo de clichê.
#EuViviPraVerEsseMomento, #ApenasVivendoMeuMomento, #ÉSobreAutoamorAutocuidadoAutoTudo, #SeDerCertoDeuSeNãoDerTambém.
Insistem em me dizer que sou dependente e tentam me convencer a procurar ajuda. Eu respondo em claro e bom som, muita calma nessa hora. Com foco, força e fé eu paro quando quiser.
É sobre isso. Sobre a domesticação dos sentimentos, sobre a redundância funcional, sobre a colonização do pensamento. Sobre palavras genéricas, pré-fabricadas, preguiçosas, sem alma.
Quando se está nessa zona de conforto, é difícil mudar a chavinha. Pensar fora da caixa dá trabalho. Mas tudo bem, não é o destino, é a jornada.
Então segue o baile e fica a reflexão. É o que temos para hoje.