A noiva foi a primeira a chegar. Entrou antes de todos os convidados quando as portas ainda estavam fechadas para explorar com as mãos e sentir o ambiente antes de sua entrada de verdade. Conheceu o bolo, as flores, vasos de cerâmica feitos por sua mãe, toalhas de mesa e louça.
Já eu, o noivo, pude fazer meu reconhecimento do espaço às claras. Logo que cheguei, fui pego por um padrinho para visitarmos todo o espaço e confirmar que estava do jeito que imaginávamos, incluindo as velas em formato de girassol para lembrancinha, o cantinho com fotos e medalhas de corrida do casal, o retrato dos dois feito para ser visto com as mãos, coberto com diferentes materiais para que os detalhes pudessem ser percebidos pelo toque, presente das madrinhas.
Decoração, aliás, foi assunto sério nesta festa de cegos. Meses até definir a paleta do casamento, que se refletiu no convite, tapete, toalhas de mesa e vestido de pais e padrinhos. Nada de cores básicas, amarelo, azul e vermelho. Muitas madrinhas aplaudiram e outras se queixaram quando saiu o fúcsia para entrar o terracota e, por fim, o marsala para o vestido delas.
O elemento principal só fui conhecer no próprio dia, no altar. Novamente com as mãos, vi pela primeira vez o vestido sobre o qual ela fazia mistério. Só sabia que havia escolhido um com riqueza de detalhes perceptíveis ao toque.
Mesmo com 20 pessoas com deficiência visual convidadas, não passou despercebido a ninguém o soluço e o choro assim que ela terminou de percorrer toda a nave e finalmente pude tocá-la. Por fones de ouvido, quem não viu escutou sua descrição em tempo real, feita por uma amiga.
Aliás, optamos por amigos em posições de destaque na celebração. Tivemos uma banda com quatro pessoas cegas e apenas uma com visão. Logo o violinista, único que enxergava, se tornou também regente, anunciando aos colegas quando já era a hora de terminar uma música e começar a próxima.
Ao final da cerimônia, conduzida por um amigo de infância e meu pai, devolveram minha bengala para que eu pudesse puxar a fila em música em ritmo de festa. Melhor que eu estivesse à frente dela mesmo, para evitar pisões em sua longa cauda, o que viria a acontecer mais tarde e por dezenas de vezes naquela noite.
Já havíamos deixado avisado que, dali em diante, se quisessem nos encontrar, bastava ir para a pista de dança, de onde não sairíamos.
Com a música alta, não reconhecíamos bem as vozes e às vezes tínhamos de perguntar quem era depois de receber um abraço apertado e já estarmos sendo posicionados para uma foto.
Mesmo assim, pensamos em deixar a festa o mais acessível possível para quem iria preferir ficar mais tempo sentado do que requebrando até o chão. Tinha cardápios em Braille e pedimos aos garçons que sempre se comunicassem com as pessoas cegas para que elas não deixassem de experimentar nada.
Ficamos com o desejo de que a noite fosse eterna. Como não vamos poder ver fotos, encomendamos uma boneca que com uma miniatura do vestido que minha agora esposa usou para que o desenho exato possa ficar sempre na memória.
Nem no nosso casamento tudo saiu perfeito. Alguns convidados cegos não sentiram nem cheiro dos doces, desaparecidos após poucos minutos da liberação da mesa. Um casal de amigos com deficiência visual também não conseguiu chegar até nós para um abraço.