Uma solução para o aquecimento global sob os nossos pés

1 week ago 8

Uma das soluções para mitigar as emissões de carbono, que levam ao aquecimento global, pode estar mais perto do que imaginamos: embaixo dos nossos pés. É que, além de sustentar tudo o que repousa sobre o planeta, os diferentes tipos de solo atuam como guardiões de carbono. Isso acontece porque, na prática, a terra é fominha —quando detém um elemento, ela dificilmente o passa adiante. Por isso, o solo pode reter o carbono de modo a torná-lo indisponível para a atmosfera, agindo em prol da redução do efeito estufa.

Essa ideia embasa a pesquisa do agrônomo Alessandro Samuel-Rosa que, filho de agricultores da pequena Espumoso, no interior do Rio Grande do Sul, tem relação com o solo desde criancinha. No ensino médio, cursou técnico agrícola e fez um intercâmbio no Havaí, onde aprendeu sobre diversificação de culturas e plantação de frutas e hortaliças com técnicas da agroecologia —ideias progressistas para a época, e defendidas por seus professores. Até buscou aplicar os conhecimentos na pequena terra da família e introduzir novos cultivos, mas o pai não quis abrir mão da soja. Sem poder colocar o pensamento de seus professores em prática, desistiu da agricultura e virou, ele mesmo, professor.

Samuel-Rosa fez iniciação científica em estudos de solos logo no início da graduação, na Universidade Federal de Santa Maria. Passou a coletar dados em trabalhos de campo e, para analisá-los, aprendeu geoestatística por conta própria. Sem saber, ele se preparava para integrar uma nova área da ciência do solo, a de mapeamento digital, impulsionada pelos avanços computacionais do início dos anos 2000.

Mapear o solo não é tarefa fácil. Diferentemente das vegetações, que podem ser rastreadas por imagens aéreas, a terra está escondida embaixo de plantas, materiais orgânicos, prédios, asfalto —o que exige a coleta de amostras com pá e enxada. Durante o mestrado e o doutorado, Samuel-Rosa trabalhou com mapeamento. Enquanto fazia pós-doutorados à espera de assumir seu cargo na Universidade Técnica Federal do Paraná (onde hoje é professor), criou o SoilData —o maior repositório brasileiro de dados de solo. Trata-se de um hub de dados abertos que agrega informações do IBGE, Embrapa, universidades e empresas privadas.

O trabalho de Samuel-Rosa chamou a atenção da MapBiomas Brasil, a rede colaborativa que produz, anualmente, mapas de cobertura e uso da terra no país. Estabelecida em 2021, a parceria da rede com o agrônomo foca na quantificação do carbono orgânico do solo (COS), direcionando a pesquisa de Samuel-Rosa no Laboratório de Pedometria da UTFPR —grupo de pesquisa liderado pelo agrônomo e pela engenheira florestal Taciara Horst— para o tema.

Basicamente, o carbono chega ao solo pela vegetação, que, em grande parte, é composta pelo elemento. Quando fragmentos de uma planta caem sobre a terra, eles são decompostos por microrganismos, e parte de seu carbono vira CO₂, que é liberado para a atmosfera. Outra parte, no entanto, é levada para o solo por meio da ação de formigas, minhocas, fungos.

Uma vez na terra, o carbono faz fortes conexões químicas com os minerais disponíveis (a exemplo do cálcio e do ferro) e fica menos disponível para microrganismos. Assim, dificilmente é liberado para a atmosfera e, portanto, não colabora com o efeito estufa. Em suma, carbono bom é carbono conectado com o solo.

O solo perde carbono sobretudo por desmatamento e pela agricultura predatória. Ao remover a vegetação natural, a terra fica mais exposta à chuva e ao sol, os microrganismos ficam mais ativos e impulsionam a liberação de CO₂. A agricultura predatória expõe a matéria orgânica do solo à superfície, quebrando as conexões e causando o mesmo efeito. É uma dinâmica especialmente relevante para o Brasil, que tem no deflorestamento e na agricultura sua maior fonte de emissão de carbono.

A terra, no entanto, é tão resiliente que, mesmo com grandes distúrbios, o nível de COS muda pouco ao longo dos anos. Pelo menos é o que mostram os dados a partir de 1985, quando começaram a ser coletados. O desafio de Samuel-Rosa, agora, é uma viagem no tempo: com inteligência artificial e aprendizado de máquina, ele tenta voltar a 1500 para estimar a quantidade de COS nos biomas brasileiros antes da colonização europeia.

Sua aposta é surpreendente: ele acredita que o maior banco de COS, hoje, está no bioma mais degradado —a Mata Atlântica. Mesmo abrigando cerca de 70% da população brasileira, seu solo segue concentrando hotspots de carbono (áreas que acumulam grande quantidade do elemento) maiores do que os do Cerrado ou da Amazônia. Se sua hipótese se confirmar, Samuel-Rosa espera ver mudanças em políticas públicas de uso do solo no bioma e, quem sabe, avanços na mitigação do aquecimento global.

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Murilo Bomfim é jornalista

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